o que sabemos sobre o buraco negro no meio da Via Láctea


Ontem (12), olhamos pela primeira vez para Sagitário A*, o buraco negro supermassivo no centro da nossa galáxia, a Via Láctea. Confirmando definitivamente sua existência, a imagem inédita é um grande marco para nossos estudos do Universo.

Tilt reúne aqui o que já sabemos sobre este titã cósmico adormecido, que ainda guarda muitos mistérios.

Tamanho

Astrônomos estimam que Sagitário A* (pronunciado “Sagitário A estrela” e abreviado como Sgr A*) tenha uma massa gigantesca, de 4,3 milhões de vezes a do nosso Sol. Seu diâmetro seria de aproximadamente 23,5 milhões de quilômetros.

Mas em termos astronômicos, comparando com a Via Láctea inteira – uma galáxia espiral com 100.000 anos-luz de largura e 1.000 de espessura -, isso é relativamente pequeno. Um buraco negro é um objeto bem compacto e denso.

Seu disco de acreção (nuvem brilhante de gás, poeira e outros materiais cósmicos, que gira ao redor do buraco e o alimenta) se estende por entre 5 e 30 anos-luz, e pode chegar a uma temperatura de 10 milhões de graus Celsius na área mais interna, devido ao atrito entre as partículas.

Funcionamento

Quase todas — se não todas — as galáxias espirais e elípticas possuem um objeto como este em seu centro. Tudo que há na Via Láctea (com seus 13,6 bilhões de anos de idade) orbita Sagitário A*, incluindo nosso Sistema Solar. Estamos a cerca de 26.000 anos-luz de distância.

via lactea sagitario - Nasa - Nasa
Imagem: Nasa

Mas ele passa a maior parte do tempo dormente, absorvendo matéria ocasionalmente. Quando isso acontece, são emitidos flashes de raios-X que conseguimos detectar.

Buracos negros “comuns” são formados quando grandes estrelas colapsam, após cessar a fusão nuclear. Mas o mecanismo que forma algo supermassivo como Sgr A* ainda não é conhecido, visto que não há estrelas tão enormes a ponto de diretamente resultarem nele.

Duas possibilidades são: o crescimento exagerado de um buraco negro ao engolir matéria das vizinhanças; ou a fusão de buracos menores em um só.

Ele vai nos engolir?

Buracos negros não exatamente sugam matéria; eles “apenas” capturam em sua gravidade qualquer coisa que se aproxime demais. Se, hipoteticamente, nosso Sol fosse substituído por um buraco negro do mesmo tamanho, a Terra provavelmente permaneceria estável em sua órbita (mas sem o calor e a luz de nossa estrela, o que impossibilitaria a vida).

Muitos buracos negros consomem gás, poeira e material de estrelas próximas, que vão sendo acumulados no disco de acreção e gradualmente se movendo para o centro. Quando ele se alimenta, há um violento processo com poderosas emissões e jatos — criando uma área chamada núcleo galáctico ativo (AGN).

Sagitário A* é um gigante adormecido. Atualmente, ele não engole matéria suficiente para ter um AGN. Assim, uma estrela, planeta, ou outro objeto teria de atingi-lo quase que diretamente para ser consumido.

Mas, em cerca de 4 bilhões de anos, tudo pode mudar. A Via Láctea inevitavelmente irá colidir e se fundir com Andrômeda, fornecendo outro buraco negro potencialmente maior em nossa vizinhança.

Não viveremos para ver isso, mas nos resta muito a aprender sobre Sagitário A*. As próximas observações do Event Horizon Telescope podem nos ajudar a decifrar segredos do objeto cósmico que moldou nossa galáxia.

Observações

Buracos negros são especialmente difíceis de serem detectados: além de não emitirem luz e estarem muito distantes, eles criam um “horizonte de eventos” ao seu redor, um ponto de não-retorno de onde nada, nem mesmo fótons, conseguem escapar. As observações, em geral, não são ópticas e diretas, mas sim por ondas de rádio e pelos efeitos que causam em seu ambiente.

Observar Sagitário A* da Terra é um desafio ainda maior, pois temos de lidar com as interferências da espessa camada de poeira em que ele está envolto. Mas astrônomos desenvolveram maneiras de espiá-lo.

Por exemplo, a massa e o raio de um corpo central podem ser determinados observando a influência gravitacional exercida sobre os objetos a sua volta. Para medir Sgr A*, então, foi monitorada a estrela S2, que gira em torno dele a uma distância de 18 bilhões de quilômetros e uma velocidade de 11,4 km/h, em uma órbita altamente elíptica de 16 anos.

Do ponto de vista de nosso planeta, ele fica na fronteira das constelações de Sagitário e Escorpião, perto do Aglomerado da Borboleta (M6) e da estrela Shaula (o ferrão do Escorpião). O que vemos é o disco de acreção — afinal, o buraco em si não emite luz.

sagitario - José Francisco Salgado/ESO e EHT - José Francisco Salgado/ESO e EHT

Paisagem do observatório ALMA, no deserto do Atacama (Chile), com perspectiva do buraco negro Sagitário A*

Imagem: José Francisco Salgado/ESO e EHT

Como foi fotografado?

Um único telescópio, nem mesmo o moderno e espacial James Webb, jamais conseguiria captar um buraco negro. Em termos de escala, considerando tamanho e distância, conseguir enxergar Sagitário A* daqui seria como ver um donut na superfície da Lua.

A imagem foi uma conquista do projeto Event Horizon Telescope, (EHT) uma rede de 11 rádio-observatórios espalhados pelo planeta: Antártica, Chile, Espanha, Estados Unidos (Arizona e Havaí), França, Groenlândia e México.

Eles atuam sincronizados, como se formassem um gigantesco telescópio do tamanho da Terra, para detectar sinais cósmicos. Depois, seus dados são combinados para compor a imagem que, embora pareça borrada, tem uma resolução absurdamente alta.

Este é o segundo buraco negro fotografado diretamente em nossa história — o primeiro também foi trabalho do EVH, em 2019, na galáxia M87, a 55 milhões de anos-luz da Terra.

buracos - EHT - EHT

À esquerda, buraco negro M87*, à direita, Sagitário A*, que fica no centro da nossa galáxia

Imagem: EHT

Vale ressaltar que eles não são realmente laranja; os dados de rádio são em preto e branco. A cor foi uma decisão dos cientistas para enfatizar a intensidade da luz: quanto mais esbranquiçado, mais forte, quanto mais avermelhado, mais fraca.

Como foi descoberto?

As primeiras teorias a respeito do objeto central de nossa galáxia datam da década de 1930, quando o físico Karl Jansky detectou um sinal de rádio emitido de um local na direção da constelação de Sagitário, direcionado para o meio da Via Láctea.

A fonte do sinal foi identificada em 1974, pelos astrônomos Bruce Balick e Robert L. Brown, que a batizaram de Sagitário A*. Durante a década de 1980, foi formulada a ideia de que, provavelmente, tratava-se de um buraco negro, de um tamanho inimaginável.

Em 1994, o astrofísico Reinhard Genzel utilizou espectroscopia submilimétrica e de infravermelho para concluir que havia algo compacto, com a massa de mais de 3 milhões de vezes a do Sol, naquela região.

Na década seguinte, cientistas foram descartando outras possibilidades do que seria — como um aglomerado de estrelas bem apertado —, reforçando a ideia de tratar-se e um enorme buraco negro.

Em 2008, os astrônomos Reinhard Genzel e Andrea Ghez determinaram a massa e o diâmetro de Sgr A*, e receberam o Prêmio Nobel de Física pela descoberta do objeto supermassivo e compacto no centro da Via Láctea.

A evidência conclusiva veio apenas em 2018, quando emissões geradas pelas interações magnéticas entre bolhas de gás quente próximas ao buraco, movendo-se a cerca de 30% da velocidade da luz, foram detectadas pelo Very Large Telescope (VLT), no Chile. Essas observações coincidiram exatamente com os modelos teóricos.



Source link

Se inscreva na nossa Newsletter

Veja Mais

Sem categoria

Entrevista com Sérgio Buniac, presidente global da Motorola

Tilt: Como vocês têm lidado com as concorrentes chinesas? Chega a ser um problema ou passa longe de ser uma preocupação? SB: Podemos competir com qualquer fabricante de qualquer região. Não é fácil, mas somos competitivos – não custa lembrar que somos chineses também [a chinesa Lenovo é dona da Motorola Mobility]. Sobre ser uma

Sem categoria

5G pode atrasar em até 60 dias em 15 capitais brasileiras

O Grupo da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) que acompanha a limpeza das faixas para ativação do 5G propôs, nesta sexta-feira, 12, mais 60 dias de prazo para que a tecnologia comece a rodar em 15 capitais brasileiras, a maioria delas localizada nas regiões Norte e Nordeste. O conselho diretor da Anatel ainda precisará aprovar