Uma teoria provocadora sugere que há um espelho do Big Bang que reflete uma imagem invertida do nosso universo. Como seria esse “antiuniverso” e quais implicações tem?
A imagem mais famosa que temos do Big Bang é a de um único ponto que se expandiu e deu origem ao universo.
Mas e se este é apenas o gêmeo de um outro universo que se formou ao mesmo tempo que esse ponto e se expandiu em direção oposta?
Essa é a proposta ousada que foi publicada recentemente por um grupo de cosmólogos do Perimeter Institute for Theoretical Physics, no Canadá.
E eles vão além. Nesse “antiuniverso” que propõem, que se move na direção oposta à nossa, o tempo também corre no sentido contrário.
Essa hipótese, por mais complexa que possa parecer, é uma tentativa de seus autores de explicar de forma mais simples e “econômica”, vários mistérios do cosmos – entre eles, a enigmática matéria escura.
Do outro lado do espelho
Existem dois conceitos-chave para entender a ideia de um “antiuniverso”.
O primeiro tem a ver com o modelo padrão da física de partículas, teoria que descreve as partículas fundamentais das quais o universo é feito e as forças que as fazem interagir entre si.
Segundo esse modelo padrão, sempre que surge uma partícula de matéria, surge também sua contraparte de antimatéria – uma partícula idêntica, mas com carga diferente. Isso significa que, durante o Big Bang, foi produzida a mesma quantidade de matéria e antimatéria.
E o segundo conceito é o de simetria.
Na cosmologia, esse princípio indica que qualquer processo físico permanece o mesmo, inclusive se o tempo retroceder, o espaço ficar invertido ou se as partículas forem substituídas por antipartículas.
Com base nesses dois princípios, a analogia que poderia ser feita é que, assim como existe um universo, seria de se esperar que houvesse um “antiuniverso” simétrico ao que conhecemos.
Simetria
Em um estudo recente do Perimeter Institute for Theoretical Physics, do Canadá, os autores analisaram um tipo de simetria chamado CPT (iniciais de carga, paridade e tempo).
Essa simetria indica que, se inverter as cargas, a imagem e o tempo de uma interação de partículas, essa interação se comportará da mesma maneira.
Então, essa simetria que se aplica às partículas, segundo os autores do estudo, também poderia ser aplicada ao universo como um todo, o que abre a possibilidade de um universo simétrico.
“O universo em seu conjunto simétrico CPT”, escrevem os autores da pesquisa.
Sob essa premissa, o Big Bang é um ponto de partida no qual se originam o universo e sua imagem especular (no espelho).
“Sugerimos que o universo antes do Big Bang é o ‘antiverso’ do universo após o Big Bang”, dizem os autores.
Como é esse “antiuniverso”
Latham Boyle, um dos coautores do estudo, alerta que não tem certeza sobre a hipótese do “antiuniverso” e que suas propostas terão que ser verificadas experimentalmente. Mas ele acha que seus cálculos lhe dão algumas pistas.
“Até agora, acreditamos que o antiverso é uma verdadeira imagem espelhada refletida no tempo, com troca de partículas e antipartículas”, diz Boyle à BBC Mundo (serviço em espanhol da BBC).
De acordo com essa visão, esse “antiuniverso” não é um universo independente, mas um mero reflexo do nosso.
“Temos um ‘anti-eu’ no outro universo, mas não é independente”, diz Boyle.
“Se você optar por comer ovos no café da manhã, sua versão antiverso não pode optar por comer bacon no café da manhã. Se você comer ovos no café da manhã, ele terá anti-ovos no café da manhã”, acrescenta.
O que acontece com o tempo no “antiuniverso”?
Conforme proposto por Boyle e seus colegas, o Big Bang é como um espelho que inverte não apenas a imagem, mas também a direção do tempo.
Nos dois lados do universo, o tempo se afasta do Big Bang – de um lado, a seta do tempo vai para a direita e, do outro, para a esquerda.
“Todo lado do universo acha que é perfeitamente normal”, diz Boyle. “Ambos acreditam que seu tempo está avançando. Do nosso ponto de vista, no antiverso o tempo retrocede, mas para eles somos nós que retrocedemos.”
A ideia de Boyle contém outra possibilidade: talvez sejamos nós que estamos no “antiuniverso” e não sabemos disso.
E outra pergunta que você pode estar se fazendo: é possível viajar para esse “antiuniverso”?
“Não podemos atravessar para o outro lado do espelho”, diz Boyle. “Para isso, teria que ser possível viajar ao passado.”
Ou seja, você teria que viajar pelo espaço-tempo, atravessar a singularidade do Big Bang e sair do outro lado.
Soluções minimalistas
Mas além dessas ideias de ficção científica, o trabalho de Boyle e seus colegas também propõe soluções para problemas mais práticos em física e cosmologia.
A sua proposta oferece visões desafiadoras sobre três conceitos fundamentais da cosmologia: a matéria escura, a inflação após o Big Bang e as ondas gravitacionais.
A matéria escura é um elemento misterioso que compõe 25% do universo, mas até agora ninguém foi capaz de observar o que é ou do que é feito.
A matéria escura, no entanto, pode ser notada devido à influência gravitacional que exerce sobre o cosmos.
Durante anos, os cientistas propuseram várias teorias para explicar o que é essa matéria escura, mas ninguém tem uma resposta convincente.
Algumas das possíveis respostas apontam que ela é feita de uma partícula que ainda não conhecemos, ou seja, que está fora do modelo padrão.
O estudo de Boyle, no entanto, oferece uma resposta “mais econômica” para esse enigma.
Sua proposta é que, para explicar a matéria escura, não é necessário imaginar novas partículas.
Em vez disso, Boyle acha que a resposta pode ser que a matéria escura é feita de “neutrinos destros”, uma variedade de neutrinos que não fazem parte do modelo padrão.
Os “neutrinos destros” ainda precisam ser comprovados, mas, segundo Boyle, muitos cientistas concordam que eles poderiam fazer parte do modelo padrão.
Desta forma, Boyle poupa-se do esforço de especular com novas partículas e encontra a resposta nas leis da física que já conhecemos.
Até agora, os neutrinos conhecidos são “canhotos”, referindo-se à direção em que giram. Mas em um universo simétrico, seria de se esperar que também houvesse um neutrino destro, ou seja, um antineutrino, segundo o astrofísico Paul Sutter, em artigo no portal Live Science em que revisa o estudo de Boyle.
Esses neutrinos destros seriam praticamente invisíveis e sua presença só poderia ser detectada pela gravidade.
“Uma partícula invisível que permeia o universo e só interage através da gravidade se parece muito com a matéria escura”, explica Sutter.
Joseph Formaggio, físico que investiga o papel dos neutrinos na cosmologia, diz que acha interessante a proposta de Boyle para explicar a matéria escura.
“Gosto do modelo minimalista”, disse Formaggio, que não esteve envolvido na investigação, à BBC Mundo.
“Geralmente, na física de partículas, você pode explicar muitos fenômenos introduzindo novas partículas, interações e campos, por isso é fácil se perder.”
“Mas esta pesquisa tem outra abordagem, eles não acrescentam nada além do que já observamos”, conclui Formaggio, que dirige a Divisão de Física Experimental Nuclear e de Partículas do Massachusetts Institute of Technology.
Formaggio aponta que a ideia de neutrinos destros é muito comum, embora não se saiba se eles existem.
“Eles são uma nova partícula, mas na verdade não são”, diz, aos risos.
Nem inflação nem ondas gravitacionais
Por fim, o estudo levanta dúvida sobre a existência de inflação cósmica e de ondas gravitacionais primordiais, que teriam dado origem ao universo, segundo a Teoria do Big Bang.
O modelo de Boyle questiona se após o Big Bang houve um período em que o universo se expandiu rapidamente, conceito conhecido como inflação.
Essa inflação, por sua vez, pode ter criado ondas gravitacionais primordiais, que são ondulações que viajam no tecido do espaço-tempo, como as ondulações geradas por uma pedra atirada em um lago.
A proposta de Boyle sustenta que, em vez de inflação, a matéria no universo se expandiu com menos força, sem a necessidade de uma “época inflamatória”.
Então, de acordo com esse modelo, se não houve inflação, também não houve ondas gravitacionais primordiais.
Em 2015, as ondas gravitacionais foram detectadas pela primeira vez. Boyle, no entanto, alerta que estas correspondem a eventos posteriores ao Big Bang, portanto não são ondas gravitacionais primordiais.