A venda de 55 mil escrituras de terrenos virtuais em um metaverso movimentou o equivalente a quase R$ 1,5 bilhão no último sábado (30). A operação financeira está sendo considerada a maior venda de NFTs (ativos digitais com registros de autenticidade) da história.
O evento chegou a causar congestionamento no blockchain (tecnologia de armazenamento e processamento de dados) Ethereum, uma rede descentralizada onde transações com criptomoedas são feitas. Outras plataformas que usam a mesma rede chegaram a sair do ar por conta da movimentação.
Por trás do leilão está a Yuga Labs, empresa que criou o Bored Ape Yacht Club, uma coleção de artes digitais vendidas como NFTs por milhões de dólares.
O atleta brasileiro Neymar Jr. pagou o equivalente a R$ 6 milhões por duas delas.
Videogame em tempo real
No sábado, a Yuga Labs realizou a venda de NFTs chamados de “Otherdeeds”, equivalentes a escrituras de terrenos virtuais”que serão usados em seu futuro projeto de metaverso, chamado “Otherside”.
O Otherside será uma espécie de videogame em tempo real que vai misturar todas as marcas de NFTs da Yuga e algumas de parceiros, incluindo o Bored Ape, CryptoPunks e Meebits. A data de lançamento do ambiente virtual ainda não foi divulgada.
Para comprar um Otherdeed, interessados tinham que usar a moeda virtual da Yuga, chamada ApeCoin.
Cada um dos 55 mil Otherdeeds colocados à venda custavam 305 ApeCoins, que, no momento do leilão, eram avaliados em quase US$ 30 cada — desde então, o valor da moeda caiu para US$ 16.
Na conversão, o volume total de vendas ultrapassou US$ 320 milhões (mais de R$ 1,5 bilhão).
Congestionamento e alta na ‘gasolina’
O congestionamento na rede Ethereum também fez o “preço da gasolina” disparar. Não estamos falando, literalmente, do combustível no mundo real, mas sim do “gas fee”, tarifa que é cobrada em cada transação na rede Ethereum.
Segundo relatos no fórum virtual Reddit, houve quem pagasse até 5 ethereums só de gas fee em cada transação enquanto os Otherdeeds eram vendidos — o equivalente a mais quase R$ 70 mil em conversão direta para o real, mais que o preço de cada NFT.
Pelo Twitter, a Yuga Labs pediu desculpas pelo transtorno. “Lamentamos por desligar as luzes da Ethereum por um tempo. Parece bastante claro que a ApeCoin precisará migrar para sua própria rede para poder crescer adequadamente. Gostaríamos de encorajar o DAO a começar a pensar nessa direção.”
We’re sorry for turning off the lights on Ethereum for a while. It seems abundantly clear that ApeCoin will need to migrate to its own chain in order to properly scale. We’d like to encourage the DAO to start thinking in this direction.
— Yuga Labs (@yugalabs) May 1, 2022
DAO é a sigla usada para se referir a uma organização autônoma descentralizada (decentralized autonomous organizations, em inglês), um formato de administração de grupos popular entre entusiastas de NFTs, criptomoedas e metaverso.
Numa DAO, as decisões são tomadas por centenas ou milhares de usuários ao redor do mundo que registram as regras numa rede blockchain. Cada membro tem o mesmo nível de influência, sem uma hierarquia vertical ou um conselho administrativo, por exemplo.
Embora a ApeCoin tenha sido criada pela Yuga, quem administra a moeda é uma DAO, sustentada pelos usuários da moeda. Hoje as transações com a ApeCoin acontecem no blockchain da Ethereum, mas, para evitar novos congestionamentos, a Yuga recomenda que a ApeCoin tenha um blockchain próprio — decisão que só a DAO pode tomar.
Entendendo melhor conceitos importantes:
O que é NFT?
A sigla NFT refere-se a “token não fungível” (na tradução para o português). Simplificando, é uma espécie de “escritura” que atesta que um arquivo digital, como uma imagem, um texto, um vídeo ou um áudio, pertence à pessoa que pagou por ele.
Pode ser, por exemplo, um meme, um tuíte ou uma obra de arte. Até documentos científicos e músicas inéditas de artistas famosos já entraram na onda. A diferença entre um meme no seu celular e um NFT daquele meme é que o NFT é a escritura que garante qual versão é a “original”.
Para entender melhor, imagine o mercado de artes plásticas: qualquer pessoa pode reproduzir a Mona Lisa, pintura mais famosa de Leonardo da Vinci. Mas apenas a original, exposta no Museu do Louvre, em Paris, tem realmente valor — qualquer cópia pode até ser vendida por uma boa quantia, mas nunca pelo valor da original.
NFTs foram criados com uma proposta parecida: diferenciar o que são artes digitais originais do que são cópias compartilhadas na internet. Mas a especulação em torno do valor das peças cresceu de forma exponencial, a ponto de NFTs agora serem avaliados em milhões de dólares.
Basicamente, todo mundo que compra um NFT espera vender por um valor maior ainda, conforme mais pessoas entram na moda, fazendo o valor do arquivo inflar — mesmo que, em tese, qualquer um possa fazer uma cópia de um “Bored Ape”, por exemplo.
O que “confirma” o valor de um NFT é o fato de ele ser registrado em um blockchain, uma rede de computadores espalhados pelo mundo que garantem, igualmente e sem um controle centralizado, que aquela escritura é a original, e não uma cópia.
O que é metaverso?
Metaverso é um termo usado para definir o que muitos acreditam ser o futuro da internet: em vez de sites e aplicativos que acessamos pela tela do computador e do celular, vamos navegar por mundos virtuais em 3D, como videogames.
A ideia é que toda nossa experiência com a internet será transportada para mundos virtuais. Em vez de comprar uma peça de roupa no site de uma loja, as pessoas usarão óculos de realidade virtual ou aumentada (ou mista) para se verem dentro de um provador 3D, por exemplo.
Diversas empresas estão trabalhando para unificar essa experiência em um lugar só. O game Fortnite, por exemplo, já é um metaverso: além de jogar, lá você pode conversar com amigos (como numa rede social) e acompanhar shows musicais (como no YouTube).
A Meta, empresa de Mark Zuckerberg dona do Facebook, do WhatsApp e do Instagram, também tem sua própria plataforma de metaverso, o Horizon Worlds, ainda disponível em fase de testes para um seleto grupo de países.