Uma pesquisa realizada pela Digital.com, especializada em análises do mercado de trabalho, revelou que 60% de empresas dos EUA e da Europa com regime de home office utilizam algum programa que monitora a performance dos funcionários remotos.
Esse tipo de software, batizado informalmente como “bossware” (em referência a “chefe”, em inglês) é capaz de registrar cada ação do trabalhador, como o horário em que o computador é ligado, sites visitados, emails enviados e até cliques no teclado ou no mouse.
Em alguns casos, também pode fornecer imagens, mostrando à empresa o que a pessoa está fazendo, dentro de casa, durante o expediente.
Segundo dados levantados pela Digital.com, 53% dos funcionários monitorados passam pelo menos três horas em atividades não relacionadas ao trabalho. Motivo para demissão? Pode apostar: 88% das empresas que usam bossware já desligaram funcionários com base nas informações captadas.
Para 81% das companhias, esses programas melhoram a produtividade dos colaboradores.
Segundo o jornal britânico Guardian, o mercado está aquecido. A Awareness Technologies, proprietária do bossware InterGuard, afirma que seu total de clientes subiu 300% desde a pandemia de covid-19.
“A ascensão do software de monitoramento é uma das histórias não contadas da pandemia de covid”, afirmou Andrew Pakes, vice-secretário geral da Prospect, um sindicato trabalhista do Reino Unido, para a reportagem.
Outros programas populares são o ActivTrak, usado por mais de 6,5 mil organizações; e o Time Doctor, que monitora mais de 83 mil usuários.
Problemas éticos
A popularização desse tipo de vigilância tem gerado debates no ambiente corporativo. Especialmente porque existem casos em que ele ocorre de maneira “invisível” — ou seja, sem o empregado saber que está sendo rastreado.
Algumas empresas adotam a versão “visível”, em que o trabalhador está ciente e pode até desativar o monitoramento. Porém, nesse caso, alguns empregadores consideram que o expediente foi interrompido e, portanto, essas horas não supervisionadas serão descontadas do salário, segundo o jornal The Guardian.
E no Brasil?
No caso do Brasil, deve existir o compromisso ético da empresa de informar o uso de ferramentas para monitorar a produtividade dos funcionários, explica o advogado trabalhista Maurilio Lopes, do escritório Pipek, Penteado e Paes Manso.
Para ele, a prestação de serviços na modalidade de teletrabalho e suas definições deverão constar expressamente do contrato individual com o colaborador, incluindo a jornada de trabalho, remuneração, os requisitos para prestação de serviços e eventuais meios de fiscalização e controle do profissional.
Normas específicas para o trabalho híbrido (parte na empresa e parte home office) entraram em vigor em março deste ano pela medida provisória 1108/2022. Contudo, alguns advogados acreditam que ainda existem lacunas na legislação em relação ao controle de jornada, às horas extras e à privacidade no uso do computador, por exemplo.
Maurilio destaca que qualquer método de fiscalização não pactuado e que exponha o trabalhador a situações de constrangimento ou fuja da finalidade [acompanhar a produtividade, por exemplo] poderá ser objeto de ações na Justiça do trabalho.
Sobre o eventual desligamento do programa de rastreamento por parte dos empregados, o entrevistado afirma que descontos salariais não devem ocorrer. A exceção será apenas se esse tipo de acordo tiver sido oficializado entre as partes.
“A Lei dispõe que acordo individual poderá delinear as questões sobre os horários e os meios de comunicação entre empregado e empregador, desde que assegurados os repousos legais, tais como o intervalo para refeição e descanso”, acrescenta Maurilio.