Se a ideia é ver imagens lindas do espaço e entender um pouco a complexidade que envolve missões espaciais, “De Volta ao Espaço” (2h08min), disponível na Netflix desde o início do mês, é um baita documentário para aprender se divertindo.
Agora, se engana quem pensa que esta é a melhor forma de conhecer mais a fundo um dos protagonistas da obra, o empresário sul-africano Elon Musk, fundador da SpaceX.
“De volta ao espaço” começa pelo fim, mostrando o lançamento do primeiro voo espacial comercial tripulado em direção à Estação Espacial Internacional, operado pela SpaceX em 2020. E volta na história para dar um contexto do fracasso dos Estados Unidos com o programa de ônibus espaciais.
Musk ao resgate
A agência espacial dos EUA decidiu aposentar o programa de ônibus espaciais em 2011 por ser muito caro e por ter causado acidentes que mataram vários astronautas. A própria Netflix tem uma série chamada “Challenger – O Voo Final”, que fala de uma dessas tragédias, no fim da década de 1980.
Com isso, o país passou a enviar os astronautas em foguetes russos Soyz e abriu uma discussão com a iniciativa privada para a exploração espacial, até então restrita à Nasa.
No documentário, chama a atenção o caráter ufanista da exposição, como se o encerramento do programa espacial representasse o fim dos sonhos das crianças dos Estados Unidos em se tornarem astronautas.
Neste contexto, eis que aparece Elon Musk, um empresário que ficou milionário com o PayPal (uma empresa de pagamentos) e decidiu criar a SpaceX para realizar voos espaciais. Inicialmente, ele dizia ter dinheiro para apenas três lançamentos de foguetes. (Os três primeiros, inclusive, não tiveram êxito e explodiram.)
O grande diferencial da SpaceX foi desenvolver um sistema para reutilizar os propulsores (o que barateou o processo em até um décimo da quantia gasta pela Nasa, segundo dados citados no próprio documentário), além de criar uma cápsula que protege os astronautas caso haja explosão do foguete.
Uma figura polêmica
Que Musk é um visionário, ninguém duvida. Além da SpaceX (fundada em 2002), ele também está por trás da Tesla, marca de veículos elétricos fundada em 2003, cujo valor de mercado já ultrapassou a de fabricantes convencionais.
Na SpaceX, ele se mostrou capaz, inclusive, de gastar toda sua fortuna pelo seu sonho de criança: explorar o espaço e visitar Marte.
O documentário, no entanto, acaba ressaltando muito a parte aspiracional de Musk e deixando de lado (ou citando muito por cima) as polêmicas envolvendo o empresário.
Ainda que o longa-metragem cite algumas questões controversas, tudo é passado muito rapidamente, o que talvez não dê a noção real das excentricidades do empresário.
- Nasa foi uma mãe para a SpaceX
A Agência Espacial do EUA simplesmente salvou a SpaceX ao fechar um contrato de US$ 1,6 bilhão em 2008. Segundo Musk, a empresa já estava ficando sem dinheiro.
A partir deste contrato, que envolvia envio de cargas para a ISS (Estação Espacial Internacional), a empresa começou a ganhar corpo e a fazer diversas missões com sucesso, além de aprimorar a técnica de fazer foguetes pousarem no meio do oceano.
Em 2021, a Nasa assinou um novo contrato no valor de US$ 2,9 bilhões, para a SpaceX fazer módulos de pouso para a Lua. Eles devem ser usados na missão Artemis, prevista para 2024.
O jornal norte-americano Los Angeles Times estima que as companhias do empresário já obteviveram US$ 4,9 bilhões de subsídios do governo dos EUA.
Musk se diz contra taxas, mas se beneficiou de dinheiro de pagadores de impostos dos EUA, seja pelas suas missões da SpaceX pagas pela Nasa ou de subsídios estatais de energia limpa para fazer carros elétricos ou painéis solares, produzidos pela Tesla.
O documentário menciona, por exemplo, a polêmica de quando ele fumou maconha durante participação do podcast Joe Rogan Experience, em 2018.
Poderia ter sido um fato sem grande importância, mas na época a Nasa tinha um contrato com a SpaceX, e uma das cláusulas diz que a empresa deveria “manter um programa para que a força de trabalho esteja livre de drogas e álcool” – o que, no caso, inclui também o dono da companhia.
Após toda a repercussão, a Nasa disse que Musk prometeu que não usaria mais maconha em público.
Em 2018, o empresário inventou de anunciar um lança-chamas por uma nova empresa, A Boring Company. Ele resolveu chamá-lo de “Isto Não É um Lança-Chamas”, pois só assim agências de aduana aceitariam enviar os itens aos compradores.
Não houve influência direta na SpaceX, mas a repercussão do lança-chamas chamou a atenção de todos para a excentricidade do bilionário. Do nada, ele inventou uma empresa e começou a vender a arma.
- Passação de pano para controvérsias
No documentário, o astronauta Doug Hurley, que esteve no primeiro voo comercial tripulado da SpaceX, relativiza os incidentes protagonizados por seu fundador.
“Ele é um humano como todos nós”, diz. “Musk tem uma visão maior não só para a sociedade, mas para o planeta. Isso nunca mudou”.
Vale a pena?
Observações à parte sobre o fundador da SpaceX, “De Volta ao Espaço” vale a pena para quem se interessa minimamente pelo tema. A narrativa é bastante centrada nos astronautas que fizeram o primeiro voo tripulado do território americano e na história da companhia espacial de Elon Musk.
Também é bacana ver a complexidade que é construir um foguete que funcione, as “mandingas” que equipe e astronautas (a maioria profissionais formados em engenharia) fazem para evitar má sorte durante lançamentos (como meias coloridas, amuletos e roupas de cores específicas) e as belas imagens captadas da missão e do dia a dia da Estação Espacial Internacional.