Sem recursos, programa espacial brasileiro empaca e vive atraso


A redução do orçamento ao longo dos últimos anos fez o programa espacial brasileiro encolher e enfrentar um atraso tecnológico em relação a outros países do mundo. Especialistas ouvidos pela coluna e a AEB (Agência Espacial Brasileira) afirmam que o Brasil deixou de tentar a soberania nessa área e hoje tem uma dependência de serviços estrangeiros.

Com baixo orçamento e sem grandes satélites em produção, o programa mudou de foco e investe em nanossatélites. Também pretende finalmente dar uso comercial ao Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, como se prometia após a assinatura do acordo de salvaguarda tecnológica com os EUA, em março de 2019. Desde então, nenhuma empresa lançou foguete na base.

A previsão é que, no fim deste ano, a sul-coreana Innospace faça o primeiro lançamento privado de Alcântara. Com esse uso comercial da base, espera-se que haja uma captação de recursos para reinvestir no programa espacial brasileiro.

“Nós estamos procurando reposicionar e criar um setor econômico espacial”, diz o engenheiro e coronel Carlos Moura, presidente da AEB.

Cortes severos

Em 2011, o PNAE (Programa Nacional de Atividades Espaciais) 2012-2021 previa uma série de projetos e um gasto de R$ 5,7 bilhões. Encerrado o ciclo, só R$ 2 bilhões foram destinados ao plano (sem descontar a inflação). Em 2021, por sinal, o programa teve o menor orçamento de sua história recente: R$ 87 milhões.

Para esta nova década, a agência lançou um novo PNAE, que vai de 2022 a 2031. No documento, trabalha com cinco cenários orçamentários possíveis: desde R$ 1,2 bilhão a 13,2 bilhões —valor que levaria o Brasil a ser “o país sul-americano líder no mercado espacial”. Hoje, por exemplo, estamos atrás da Argentina.

Com os cortes, o último grande projeto nacional foi para o espaço no último dia 28 de fevereiro, quando o Brasil comemorou o lançamento do primeiro satélite 100% nacional, o Amazônia 1. Com recursos pingados, a produção do satélite levou duas décadas e foi feita pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

A ideia do plano decenal 2012-21 era fazer outros dois satélites da linha (o Amazônia 1B e o Amazônia 2), mas eles não saíram do papel. Estão previstos (se houver boa verba) no novo plano decenal.

Lançamento do Amazônia 1, da Índia - Reprodução/YouTube/inpemct - Reprodução/YouTube/inpemct

Lançamento do Amazônia 1, da Índia, em fevereiro

Imagem: Reprodução/YouTube/inpemct

Erro estratégico

Para Ronaldo Carmona, professor da ESG (Escola Superior de Guerra) e da pós-graduação de engenharia aeroespacial da UFMA (Universidade Federal do Maranhão), a falta de recursos é que fez o Brasil deixar de evoluir na área, já que tem expertise e mão de obra.

“Quando o nosso programa surgiu, nos anos 1960, ele era do mesmo porte da Índia, e hoje eles estão muitas vezes à nossa frente. Nós estamos empacados”, afirma.

Para Carmona, o país hoje é dependente de tecnologia espacial estrangeira. “Isso é um erro estratégico que abrange muitos setores. A área espacial tem implicações na atividade econômica, na vida social, sem falar em assuntos de defesa”, diz.

“Um país do porte do Brasil precisa ter um programa espacial completo. Isso é algo latente, tendo em vista como evoluem as tecnologias e as forças produtivas e de ver como está a situação geral do mundo”, diz.

Um dos serviços dependentes é o de GPS, fornecido pelos EUA. “Não por acaso, China, Rússia, Índia e União Europeia passaram a constituir sistemas próprios. É um risco muito grande ficar na mão de uma potência, que pode fazer uso geopolítico dessa tecnologia. A guerra da Ucrânia está aí para provar isso”, explica.

Compras recentes

Sem investir na produção de satélites, recentemente as Forças Armadas compraram dois satélites radar de uma empresa da Finlândia por R$ 175 milhões.

O primeiro deles, o Carcará 1, foi lançado em maio do Centro Espacial Kennedy, no Cabo Canaveral, nos EUA. As imagens captadas por eles, afirma o governo, serão utilizadas em apoio no combate ao tráfico de drogas e da mineração ilegal na Amazônia.

25.mai.2022 - Lançamento do satélite Carcará 1 foi acompanhado por militares de Brasília   - Divulgação/Forças Armadas - Divulgação/Forças Armadas

25.mai.2022 – Lançamento do satélite Carcará 1 foi acompanhado por militares de Brasília

Imagem: Divulgação/Forças Armadas

Precisamos fomentar a indústria nacional, mas temos uma contradição: as necessidades urgentes. Precisamos de investimentos regulares por um longo período para desenvolver a capacidade nacional de produção, mas temos necessidades para já e precisamos comprar fora.”
Ronaldo Carmona, da ESG

O ex-diretor do Inpe Ricardo Galvão afirma que a compra revela que falta interesse em produzir satélites no principal órgão civil do programa. “O Inpe não tem hoje nenhum recurso para desenvolvimento de satélites. Isso é algo inédito”, diz.

Ele diz que satélites como os comprados pelo Ministério da Defesa poderiam ter sido feitos aqui. “Com o programa CBERS [em parceria com a China] e o desenvolvimento do satélite Amazônia, o Inpe dominou todo o ciclo de produção de satélites, com uma equipe de 60 engenheiros”, ressalta.

Segundo ele, usar o instituto para produzir apenas nanossatélites é um desperdício para a nação. “Um nanossatélite tem o tamanho de uma caixa de sapato, é pouco para um Inpe. Sem contar que isso as universidades aqui já fazem. Esses equipamentos não atendem às nossas demandas de satélite”, diz.

Satélite Amazônia 1 sendo desenvolido no INPE - Inpe - Inpe

Satélite Amazônia 1 em desenvolvimento no Inpe

Imagem: Inpe

Retomada de competitividade

Carlos Brito, presidente da AEB, concorda que o país perdeu competitividade nos últimos anos. “Se pensarmos mais em mercados e indústria, estamos aquém”, afirma.

A ideia, diz, é mudar isso a partir de agora. “A nossa ideia é explorar o mercado de nanossatélites e a vantagem geográfica que temos em Alcântara. Nós podemos atuar competitivamente nesse nicho e eventualmente crescer também no transporte espacial ou na produção de satélites. A partir de 2018, aumentou muito essa tendência de equipamentos menores.”

Para isso, ele comemora o anúncio de verbas extras do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) para o programa, que vai financiar dois projetos em um valor total acima de R$ 300 milhões.

Um deles é o desenvolvimento do primeiro veículo lançador de pequenos satélites, que terá R$ 190 milhões em investimento. “O outro projeto que teremos é de produção de um satélite de sensoriamento remoto ótico, que atende requisitos de defesa, meio ambiente e outros setores”, diz.

Carlos Brito, coordenador do curso de Engenharia Aeroespacial da UFMA e chefe do projeto CubeSat Aldebaran-I, afirma que esse lançador previsto tem promessa de voo inaugural para 2025 e deve ser um marco para o programa nacional.

O projeto sinaliza a mudança de estratégia do Brasil para se adequar às transformações do mercado espacial mundial que ocorreram na última década.
Carlos Brito, da UFMA

Para ele, a estratégia de buscar se inserir no novo mercado espacial é uma decisão acertada. “Os negócios feitos com pequenos satélites geraram uma receita de cerca de US$ 4 bilhões em 2020. Há previsões de que em 2031 essa receita aumente para até US$ 12,9 bilhões”, afirma.

É preciso estruturar Alcântara

Para que esse mercado se desenvolva, diz Brito, é preciso melhorar o entorno da base de Alcântara. “Apesar de estar preparado para receber essas empresas, há alguns desafios a serem trabalhados em conjunto e com determinação, como a logística para o município”, diz.

Ele cita que a cidade precisa dar condições melhores de comércio para suprir as necessidades dos estrangeiros, sem que dependam da capital São Luís.

“Esperamos que a Federação das Indústrias, o governo do Estado e outras autarquias —como a AEB e a UFMA— possam se sensibilizar e apoiar as implantações e reformas para melhorar as condições de acesso e da própria infraestrutura.”

mapa - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Sobre Alcântara, Carlos Moura, da AEB, diz que gostaria que o centro já estivesse operando há mais tempo, mas há questões burocráticas a serem levadas em conta, como a falta de uma empresa pública para “vender” a área.

“Talvez a maior dificuldade esteja nos nossos arranjos de governo. Há coisas mais fáceis, como a AEB, que atualizou seu regramento de segurança e o colocou em linha com o que quer a agência americana. Mas é preciso ter uma empresa governamental que possa fazer a comercialização do centro”, explica.





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