“O homem chega e já desfaz a natureza”. O primeiro verso de “Sobradinho”, de Sá e Guarabira, talvez seja um dos mais conhecidos momentos em que a música brasileira explora a mudança que o homem causa na natureza ao seu redor. Mas está longe de ser o único.
Em “Matador de Passarinho”, Rogério Skylab subverte a lógica contemplativa de “Passaredo”, de Chico Buarque e Francis Hime, que lista um sem número de espécies de aves. A versão de Skylab transforma os pássaros em alvos a serem abatidos. A ideia do cantor underground era justamente perverter a ideia original.
Nessa quinta-feira, 14, Elon Musk anunciou que fez uma oferta para adquirir a totalidade das ações do Twitter, empresa da qual ele já detém 9,2%. O homem mais rico do mundo se comprometeu a pagar cerca de US$ 43 bilhões para comprar a empresa e desfazer a sua natureza de capital aberto. O movimento faria com que a rede social não mais tivesse ações negociadas em bolsa, além de implicar em provável mudança na sua estrutura de governança.
O empresário afirmou que a rede social tem “o potencial de ser a plataforma para a liberdade de expressão global”, mas que a empresa, em seu formato atual “não vai prosperar ou atingir esse imperativo social”.
O movimento de Musk pode ser uma aposta. Ao tornar pública a sua proposta, ele contribui para um aumento nas ações do Twitter (o que também o beneficia). Mas o que acontece depois disso? Se a oferta for aprovada, ele traz a rede social para dentro de sua visão de futuro, que já inclui os foguetes da SpaceX, os carros autônomos da Tesla e os implantes cerebrais da Neuralink.
Se a oferta for recusada, esse pode ser o momento em que o empresário vende as suas ações do Twitter e pode até mesmo mobilizar esforços para criar uma rede social que partilhe da sua concepção de liberdade de expressão. De uma forma ou de outra, tudo indica que Elon Musk colocou uma rede social na sua lista de compras ou de investimentos.
Mas o que Elon Musk faria com uma rede social (ou com o Twitter)? A primeira pista vem das manifestações do próprio empresário sobre liberdade de expressão e moderação de conteúdo. Tudo indica que a rede social de Elon Musk permitiria discursos que usualmente são restringidos em outras aplicações por violarem os seus termos de uso.
Esse movimento pode ser bastante arriscado, já que existem outras redes que se anunciam como mais tolerantes com conteúdos que poderiam ser enquadrados como discurso de ódio e desinformação, mas nenhuma delas conseguiu ter a diversidade e a quantidade de usuários das grandes redes sociais.
As redes que concentram usuários que defendem uma liberdade de expressão irrestrita permanecem como nichos. Os políticos que se conectam mais diretamente com esse tipo de eleitor podem até estar nelas, mas as suas campanhas precisam, em alguma medida, de uma presença importante nas grandes redes. É lá que o seu discurso pode alcançar novos eleitores, crescendo a sua base de apoio. Nas redes nichadas, se prega para os convertidos.
É aqui que a opção de compra do Twitter se insere. Musk poderia procurar implantar a sua visão de liberdade de expressão em cima de uma rede social que já conta com usuários de diferentes perfis, com capilaridade global e que foi adotada por líderes políticos e influenciadores como um importante canal de comunicação com o público.
Por falar em líderes políticos, não faltam especulações no sentido de que esse suposto Twitter modelado conforme os desejos de Elon Musk seria a plataforma dos sonhos para uma nova campanha presidencial de Donald Trump.
Mas nem tudo é tão simples assim. Vale lembrar que, caso a proposta de compra seja aprovada, será preciso ficar de olho na estrutura de governança da empresa que seria montada e se a visão do seu comprador efetivamente se realizaria.
No mais, uma rede social com menos moderação de conteúdo pode rapidamente se tornar um ambiente não apenas tóxico para os seus usuários, como também enfrentar dificuldades nos mais diversos países em que atua. Basta lembrar o caso do Telegram, que por se recusar a excluir publicações e contas, terminou banido em alguns países.
Dessa forma, se eventualmente vier a comprar o Twitter, Elon Musk pode acabar transformando a natureza da rede social. O Twitter pode deixar de ser o Twitter, fazendo com que a empresa enfrente redução de número de usuários e problemas com governos locais.
Por outro lado, se a oferta de compra do Twitter for recusada, é provável que o valor das ações da empresa sofra algum revés, ainda mais dados os números expressivos da proposta. De um jeito ou de outro, Elon Musk pode ser o verdadeiro matador de passarinho.