Pelo menos uma ‘Copa do Mundo’ de futebol o Brasil já garantiu este ano: a RoboCup, que foi realizada na Tailândia entre 13 e 17 de julho. Foi a primeira vez o país se sagrou campeã, com a equipe RobôCIn, formada por estudantes da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), na categoria SSL.
“Foi um descarrego ali na hora, uma felicidade, um alívio”, relembra Felipe Bezerra Martins, um dos participantes.
É uma sensação compreensível: representando um país com cortes agressivos nas verbas de ciência nos últimos anos, a RobôCIn teve que reaproveitar robôs, batalhar patrocínios e fazer uma vaquinha para conseguir marcar presença no torneio. Ainda assim, só oito dos 47 membros foram para Bangcoc.
“A gente viajou no limite das reservas”, afirma Martins. Qualquer imprevisto no funcionamento ou na manutenção dos robôs poderia ser irreparável — e tirá-los de campo. Cada “jogador” exige investimentos de até R$ 10 mil.
Aliás, é esse custo que mantém o Brasil na “série B” do torneio — ela só exige seis jogadores. A categoria A, com onze, seria impraticável.
O futebol é só um “treino”
Criada em 2015, a RobôCIn é formada por alunos de graduação e da pós-graduação da UFPE, nas áreas de engenharia mecânica, engenharia elétrica e ciência da computação.
Juntos, eles precisam criar máquinas funcionais, com soluções criativas para se desvencilhar do adversário, passar a bola entre si e mirar no gol. Não vale encobrir a pelota nem “agarrá-la” para levá-la em frente.
Claro que o objetivo não é, um dia, substituir Neymar ou Messi (até porque estes robôs não são humanóides – eles podem ter no máximo 15cm de altura e 18 cm de diâmetro). O importante é aprender resolução de problemas na prática.
“Você precisa desenvolver robôs autônomos, com capacidade de entender o ambiente e navegar por ele de forma independente”, explica Edna Barros, professora que coordena a RobôCIn.
Ela diz que, embora isso seja feito num formato conhecido do público, como o futebol, os conhecimentos gerados têm aplicabilidade que vão muito além do campo. Um sistema que ajuda a detectar obstáculos e desviar deles pode ser reutilizado em robôs com outras funções, como na indústria e na saúde.
Grana curta, equipe desfalcada
De reutilização, a RoboCIn entende bem. Para economizar, seu time de 2022 reaproveitou os jogadores de 2019, a última RoboCup presencial. Todos eles foram adaptados e melhorados, com peças feitas em impressora 3D (outra alternativa mais barata do que comprar itens novos).
Ainda assim, permanecia o maior dos custos: como levar o time (nesse caso, os humanos) para o outro lado do mundo? Cada passagem custa entre R$ 15 mil e R$ 17 mil.
Os estudantes organizaram uma vaquinha e conquistaram o patrocínio de empresas como Microsoft, CESAR, HSBS e Baterias Moura. Foi o suficiente para conseguir levar oito membros.
“Se o dinheiro desse, a gente levava todo mundo. À medida que a gente arrecadava mais, ia viabilizando mais gente para viajar. Mas, no final, fomos em menos pessoas do que o ideal”, afirma.
Tiveram que ser estratégicos: enviar aqueles que mais conheciam o projeto. No calor do jogo, surgem problemas novos que precisam ser resolvidos em poucos minutos. A RoboCup inclusive permite aos “técnicos” que peçam um tempo para reorganizar as equipes e corrigir seus robôs. Tudo isso é feito sempre por computador, externo ao campo.
“No começo da competição, tivemos um problema na comunicação [entre o computador e os robôs] e ficamos ‘meu Deus, o que a gente faz? Não está dando certo’. Os robôs estavam descontrolados”, relembra o aluno João Guilherme Melo. “Mas aí fomos fazendo testes, ajustando parâmetros e, ao longo da competição, melhoramos muito nossa comunicação”.
A evolução ficou evidente ao longo do torneio. A final foi contra um time que eles já haviam enfrentado antes. Naquela primeira ocasião, empataram em 1 a 1. No jogo valendo o título, veio a vitória por 2 a 0.
Os brasileiros vibraram como se fosse a Copa do Mundo do Catar. “A gente é acima da média em comemoração, chamava a atenção. É bonito de se ver”, diz Martins.
Um time ajuda o outro
Apesar do orgulho pela conquista, a função da RoboCup não é meramente competitiva. Pelo contrário: há um clima genuíno de colaboração entre os times.
“Cada equipe tem sua solução diferente, seja de proporção de engrenagem, desenho, projeto do chute, placas de eletrônica”, diz Martins.
A ideia é que os adversários evoluam aprendendo juntos, compartilhando informações e avançando a tecnologia. “Se alguém já tentou algo e errou, explica-se o que aconteceu e a outra equipe não precisa cometer o mesmo erro”, resume.
Mesmo quem não carimbou o passaporte também ficou feliz. “Todos na RobôCIn trabalham juntos. Como eles mesmos dizem, é uma família”, diz Barros. “Independente de quem foi, é o trabalho de todo mundo. É uma vitória de todo mundo”, finaliza Martins.