A cada ano, a ciência descobre novas maneiras de fazer caber mais informações em chips eletrônicos cada vez menores. Essa miniaturização está tão avassaladora que já ultrapassou os limites meramente atômicos da matéria – chegou no nível quântico.
Inversamente, os sonhos e as perspectivas da pernambucana Gilvânia Vilela, 37, se expandem sem parar. Desde pequena, no município de Cabo de Santo Agostinho, ela desejava entender como o mundo e a natureza funcionam. Sua curiosidade cresceu no ritmo da carreira: hoje ela é uma das maiores especialistas no mundo em spintrônica, o ramo da física essencial na criação dos computadores quânticos.
Oriunda de escolas públicas, mulher e nordestina, Gilvânia furou a bolha do mercado de tecnologia, predominantemente branco, masculino e de classe média-alta, para chegar a uma das instituições mais prestigiadas do mundo: o Massachusetts Institute of Technology (MIT), onde fez sua pós-graduação, entre 2017 e 2019. No primeiro ano, com bolsa da Capes. No segundo, a convite do próprio MIT.
A relação segue frutífera até hoje. Atualmente, Gilvânia leciona na Universidade de Pernambuco (UPE) e é um ponto central no programa MIT Brazil, que leva estudantes do país todo para a instituição em Cambridge.
“Quero fazer o que estava ao meu alcance para que essa oportunidade se expanda a mais brasileiros, mostrando a meus alunos que eles podem realizar pesquisas de impacto internacional e se colocar no mercado de forma competitiva”, explica.
“Minha estadia no MIT mudou completamente como faço pesquisa. Mostrou a importância de manter uma rede colaborativa em torno de um tema científico para promover avanços rápidos.”
Seu próximo avanço: computadores tão poderosos que vão revolucionar todos os aspectos da nossa vida.
O poder do spin
Um chip é composto por microcircuitos que compactam bilhões de transistores. Esses transistores ligam ou desligam de acordo com a passagem de uma corrente elétrica, gerando assim os “zeros” e “uns” que estão na base de toda a linguagem dos computadores.
A corrente elétrica nada mais é do que uma transferência de elétrons – a partícula com carga negativa que ajuda a compor os átomos. Só que, com chips cada vez menores, e com capacidades cada vez maiores, a ciência agora precisa recorrer a uma propriedade do elétron para ativar os transistores: o chamado spin.
Então, se os equipamentos que usavam a corrente elétrica geraram a eletrônica, nada mais natural que a nova geração tenha sido denominada de spintrônica. E ela não é apenas o “futuro”: ela já está aqui.
“A maioria dos sensores para a leitura da cabeça do disco rígido [de um computador] já usam um efeito do spin, chamado magnetorresistência gigante”, explica Gilvânia.
O que o futuro nos reserva é uma aplicação ainda mais ampla. O spin aumenta a velocidade de processamento de informações de maneira tão drástica que permite até o desenvolvimento de novos algoritmos computacionais.
“É uma demanda natural com a popularização do big data [ciência que analisa quantidades gigantescas de dados simultaneamente] e a chegada da Internet das Coisas [IOT, na sigla em inglês], por exemplo. Vários dispositivos precisam estar interligados, então a velocidade de processamento precisa ser maior. Há urgência em desenvolver esses meios”, continua.
Mercado (des)aquecido
Na eletrônica, a passagem da corrente elétrica gera perda energética na forma de calor. Você certamente já notou isso na prática, quando seu computador processou muita informação, como em um game muito complexo. A ventoinha (ou “cooler”) é acionada para ajudar a resfriar o equipamento.
A spintrônica oferece uma solução para esse problema – e esse é exatamente um dos focos de Gilvânia atualmente. Ela estuda como excitar e controlar ondas de spin para transportar dados sem perdas de energia por aquecimento, o que melhoraria a performance dos computadores.
“É como quando a gente joga uma pedrinha no lago e ela forma ondas que se propagam. Ondas de spin podem ser excitadas propositalmente e controladas para transportar informação sem corrente elétrica associada”, explica Gilvânia Vilela.
“Sem corrente elétrica associada” é um ponto-chave: sua pesquisa também pode ajudar a desenvolver memórias magnéticas não voláteis ou memórias spintrônicas (MRAM’s). Ou seja: a informação é armazenada mesmo sem alimentação de energia elétrica, porque elas fazem uso de materiais magnéticos para a gravação de dados.
A expectativa, segundo Gilvânia, é que a tecnologia seja barateada nos próximos oito anos e até 2030 consiga atingir uma escala industrial. Porém, assim como tantos outros avanços no passado, essas inovações vão chegar primeiro na indústria e em setores mais endinheirados. Só depois no consumidor final.
“O maior vislumbre é desenvolver coisas para a área de robótica, medicina, distribuição e energia, inteligência artificial, machine learning, defesa. E são aplicações diversas, não só em computador”, afirma.
“Existe uma corrida intensa e muito investimento de órgãos internacionais aplicado nessa área de pesquisa. Ela será a revolução da computação por meio de mecânica quântica. As principais instituições de pesquisa do mundo estão desenvolvendo projetos sobre esse tópico — inclusive com a participação de brasileiros. A nossa sociedade demanda por computadores melhores”, conclui.