Em maio deste ano, a empresa de análise de dados NonFungible divulgou que o volume de negociações diárias de NFTs (tokens não fungíveis, que são ativos digitais com registro de autenticidade) caiu cerca de 90% nos primeiros quatro meses de 2022, em comparação ao ano passado.
No mês anterior, um outro negócio parece ter sumarizado essa tendência, para total horror do mercado
O NFT do primeiro tuíte do co-fundador do Twitter Jack Dorsey foi à leilão com o preço mínimo de US$ 48 milhões (R$ 225 milhões). Mas o maior lance ofertado foi de meros US$ 6,2 mil – muito abaixo dos US$ 2,9 milhões (R$ 13 milhões) que o investidor Sina Estavi havia pago pelo token em 2021. Ele acabou decidindo por cancelar o leilão.
Desde então, produtores de NFTs, investidores e analistas estão com mais dúvidas do que certeza. O que pode ser considerado de fato um ativo digital “exclusivo” a ponto de ter um valor relevante para o mercado? Esse tipo de ativo demonstra qualquer sinal de sustentabilidade a longo prazo, ou vai evanecer como uma mera modinha tecnológica?
Em suma… a bolha estourou?
Caiu do cavalo
Para o pesquisador e diretor de projetos do IP.Rec (Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife), Caio Scheidegger, esse é um reflexo do que ele chama de “cultura FOMO” (fear of missing out, ou “medo de ficar de fora”, na tradução livre). Ou seja: no boom das NFTs, tanta gente decidiu investir que mesmo quem estava “de fora” quis participar, inflando ainda mais a bolha.
“NFT não é um mercado regulamentado. Nenhuma premissa do modelo de negócios nem da tecnologia tem respaldo. O blockchain [usado na criação do ativo digital] não garante exclusividade do ativo, por mais que exista um token de identificação”, defende Scheidegger.
Por ser uma identificação informal, o ativo pode ser copiado, hospedado ou indevidamente apropriado, segundo o pesquisador.
Ele deu como exemplo o recente NFT do “Galaxia”, um modelo digital de cavalo que faz parte do jogo Grit, da Epic Games. O token foi anunciado como exclusivo para 500 pessoas. Mas, depois, descobriu-se o mesmo cavalo disponível em quantidades ilimitadas na biblioteca aberta da Unreal Engine – um braço da Epic Games que desenvolve tecnologia de infraestrutura para criar jogos. Qualquer jogador poderia comprar o mesmo arquivo ao preço de US$ 30 dólares.
“A tendência é que os NFTs possam ser usados para fins diversos, mas não como um investimento. O mercado, em si, perdeu valor e financiamento”, avalia Scheidegger.
Baixa pode ser sinal de estabilização
O volume de transações pode até ter caído drasticamente nos primeiros quatro meses deste ano, mas uma pesquisa da empresa Chainalysis mostra que, no total de valor negociado, os NFTs ainda demonstram força.
No ano passado, o montante foi de US$ 40 bilhões (R$ 192 bilhões). Mas, apenas entre janeiro e abril de 2022, as transações já chegaram a US$ 30 bilhões (R$ 144 bilhões) — ou 75% do recorde de 2021.
Ainda assim, os especialistas vinculam o grande volume financeiro a negociações pontuais, como a venda de 55 mil escrituras de terrenos virtuais em um metaverso que movimentou o equivalente a quase R$ 1,5 bilhão em abril.
Para o professor de tecnologia e design da PUC-SP e pesquisador do NIC.BR, Diogo Cortiz, essas distensões e retrações pelas quais está passando o mercado de NFTs são parte de um fluxo normal de um novo produto, principalmente no início, quando o negócio ainda está no âmbito especulativo.
“Toda tecnologia começa com um grande salto de empolgação, atrai especuladores e depois dá uma esfriada até chegar num ponto de equilíbrio. Não está sendo diferente com os tokens não fungíveis, que atraiu um monte de projetos sem sentido, com o mercado tentando vender qualquer coisa como NFT”, frisa Cortiz.
Ele acredita que essa tecnologia entrou em um estágio de desencantamento para focar em aplicações interessantes. Em seguida, deve entrar em uma fase de maturidade.
Compartilha a mesma opinião o presidente da Associação Brasileira de Proteção de Dados (ABPDados), Renato Opice Blum.
Após o período de curiosidade e retornos expressivos, que atraiu capital, a tendência agora é a estabilização desse mercado. “Muitos que entraram só para experimentar estão retirando o seu capital. Acredito que os NFTs não vão acabar”, disse.
Para o advogado e economista, a inflação mundial, que atraiu capitais especulativos, também pode explicar essa variação. “O capital especulativo é para movimentar coisas novas, como NFTs, criptomoedas e outras tecnologias disruptivas”, afirmou.