Pai acusa TikTok de burlar o ECA; ação pode afetar outras redes


Uma ação que tramita em segredo de Justiça na Vara da Infância e da Juventude de São Paulo acusa o TikTok de violar o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) por supostamente expor menores de idade a vídeos com conteúdos que podem ser considerados sensíveis para a faixa etária.

O processo pode mudar a maneira como vemos vídeos na plataforma, pois busca obrigar a rede social a mostrar nos conteúdos a classificação indicativa da faixa etária. Além disso, quer a obrigatoriedade de verificação da identidade dos usuários, para barrar crianças e impedir o acesso aos vídeos sem a devida aprovação de cadastro e login.

O autor da ação, o advogado paulista Anderson Albuquerque, disse a Tilt que buscou a Justiça como uma maneira de proteger os dois filhos menores de idade sobre determinados conteúdos.

Advogado Anderson Albuquerque acusa TikTok de contrariar o ECA - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal

Advogado Anderson Albuquerque acusa TikTok de contrariar o ECA

Imagem: Arquivo Pessoal

No Brasil, 45% das crianças até 12 anos que possuem um celular com internet acessam o aplicativo. É o terceiro mais usado por essa faixa etária no país, segundo pesquisa de 2021 da Opinion Box.

Albuquerque afirmou que não poderia detalhar sobre o mérito do processo por estar em segredo de Justiça, mas destacou que “enquanto cidadão e pai de dois filhos menores, não poderia deixar de expressar a preocupação com os conteúdos inapropriados veiculados no TikTok, que não possui uma política efetiva voltada para a proteção das crianças e dos adolescentes”.

No meu entendimento, a plataforma permite a veiculação de conteúdo inapropriado para crianças e adolescentes, em nítida e reiterada violação às normas estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, pelo Marco Civil da Internet e pela Constituição Federal. Anderson Albuquerque, autor da ação.

Procurado por Tilt, o TikTok informou que ainda não foi notificado sobre a ação, mas adiantou que “não comenta casos judiciais”.

O MPSP (Ministério Público de São Paulo), em parecer preliminar, demonstrou intenção de entrar no caso como acusador. Porém, a Promotoria da Infância e da Juventude da Capital pediu que o advogado se manifestasse sobre o interesse de ser substituído pelo órgão na acusação.

Questionado se concorda, Anderson Albuquerque disse que não pode se manifestar, “mas que confia muito no Ministério Público e uma possível assunção processual trará uma abrangência muito maior ao caso, com a representação de toda a coletividade através de uma possível ação coletiva”.

Em contato com Tilt, o promotor Lélio Ferraz Siqueira Neto, responsável pelo caso, afirmou que prefere não se pronunciar sobre a ação, mas revelou que, de forma paralela, vai abrir um inquérito para apurar as acusações.

Quais as falhas do TikTok?

De acordo com a ação judicial, apesar de o TikTok possuir sua Política de Serviços que limita conteúdos a crianças e adolescentes, algumas possíveis falhas burlam essa limitação, expondo os usuários menores de idade a vídeos de conotação sexual ou incentivo à violência, jogos de azar e uso de drogas ilícitas, por exemplo.

  • Não verificação de identidade

A petição protocolada na Justiça diz que o TikTok impõe idade mínima de 13 anos para a criação de uma conta, mas alega que “a própria plataforma não dispõe de meios eficazes para que esta determinação seja cumprida, já que não há qualquer meio verificação de idade do usuário”.

Para o advogado, isso tornaria “possível que os Termos de Serviço sejam burlados, mascarando a idade de quem esteja criando a conta”, já que o usuário poderia informar qualquer idade por não ser obrigado a comprová-la.

Para quem tem entre 13 a 16 anos, o TikTok limita o acesso a certos recursos, como as mensagens diretas. Mas, conforme sustenta a ação judicial, “o acesso praticamente ilimitado aos serviços fornecido pelo aplicativo é feito mediante a desnecessidade de criação de uma conta”.

Isto é, para ver qualquer vídeo, basta digitar a URL do TikTok e buscar no campo de pesquisa o termo relacionado ao conteúdo que deseja ver. Isso burlaria a ferramenta de controle parental da própria plataforma, que dá aos responsáveis a possibilidade de ver o que os filhos acessam.

Em prints anexados no processo, advogado acusa TikTok de contrariar o ECA - Reprodução - Reprodução

Em prints anexados no processo, advogado acusa TikTok de contrariar o ECA

Imagem: Reprodução

Outro problema exposto na ação judicial está relacionado ao algoritmo de busca. A plataforma estaria programada para identificar termos distorcidos que burlam as restrições na pesquisa por vídeos, diz a acusação.

Por exemplo: não é possível buscar ‘sexo’, mas o termo ‘s3x0’ rende resultados cadastrados dessa forma. Segundo consta na ação, isso faz a restrição ser nula.

O que pode mudar no TikTok?

Se a Justiça decidir desfavoravelmente ao TikTok, é possível que a plataforma mude a maneira como vemos os vídeos, pois a ação pede que a rede social adote as seguintes alterações:

  1. Impossibilite o acesso de pessoas menores de idade a conteúdos inapropriados de acordo com a classificação;
  2. Implante uma política de fiscalização, conferência e monitoramento para análise dos cadastros dos usuários para atestar a idade;
  3. Exija dos usuários a indicação e classificação da faixa etária dos vídeos publicados.

Em sua manifestação preliminar, o promotor de Justiça Lélio Neto concordou sobre a necessidade de adoção de medidas pela plataforma.

Diante deste cenário, é imprescindível que os responsáveis pelas mídias sociais adotem, com suficiência, medidas de segurança e privacidade destinadas a proteger seus usuários com idade inferior a 18 anos. Promotor de Justiça Lélio Neto.

Como ação judicial pode mudar as outras plataformas

Como o processo ainda não chegou nem a ser apreciado sobre a sua admissibilidade, ainda é cedo para saber se o caso vai resultar em desfavor ao TikTok.

Por outro lado, se os argumentos da ação forem aceitos, a decisão pode refletir em outras redes sociais. É assim que avalia o advogado Marco Antonio Araújo Júnior, especialista em Direito das Novas Tecnologias e mestre em Direitos Difusos e Coletivos.

Na medida em que a decisão seja favorável ao consumidor, no sentido de que as plataformas digitais cumpram a política de privacidade divulgada e os tribunais superiores confirmem a decisão, ela pode ser tornar um paradigma para outros casos parecidos, em qualquer das redes sociais. Marco Antonio Araújo Júnior, especialista em Direito das Novas Tecnologias.

O advogado considera ser possível que as plataformas digitais sejam responsabilizadas caso deixem as crianças expostas a conteúdos considerados inadequados para a idade.

“O ECA exige que conteúdos disponibilizados ao público infanto-juvenil não poderão conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou anúncios de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições, além de mensagens pornográficas ou obscenas”, frisou.



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