O programador australiano Julian Assange, fundador da plataforma WikiLeaks, poderá ser extraditado em breve para os Estados Unidos. O decreto com a decisão deverá ser assinado ainda hoje (17) pela ministra do Interior, Priti Patel, segundo o governo britânico. Ele terá 15 dias para apelar da medida.
Assange enfrenta acusações de 18 crimes, entre eles conspirar para hackear bancos de dados militares dos EUA. Caso a Justiça britânica seja favorável ao governo dos Estados Unidos, o programador será julgado pela corte norte-americana e poderá pegar até 175 anos de prisão.
Ele foi preso em 2019 após passar mais de sete anos refugiado na embaixada do Equador em Londres. O local foi escolhido para que Assange não fosse extraditado para a Suécia, por acusações de estupro —o programador se defende afirmando que a acusação foi uma manobra dos EUA para tê-lo sobre sua responsabilidade posteriormente.
Quem é Assange?
O australiano Paul Julian Assange, atualmente com 51 anos, fez carreira como programador e jornalista. Ele é visto por dois aspectos: defensor da liberdade de expressão e um perigoso divulgador de documentos confidenciais.
Mais novo, era reconhecido como aluno inteligente, que estudou matemática, física e informática na universidade, mas não chegou a se formar.
Desde os 16 anos, envolveu-se com uma comunidade de hackers internacionais — International Subversives (Subversivos Internacionais), que chegou a lhe render problemas com a polícia australiana em 1991, após acusações de que teria invadido computadores de várias organizações.
Ele chegou a conseguir acessar as redes da Nasa e do Pentágono com o pseudônimo “Mendax”.
Em 2006, fundou e tornou-se editor do site WikiLeaks, uma plataforma onde denunciantes anônimos poderiam compartilhar informações e dados secretos.
Mas foi em 2010 que ele e sua plataforma ficaram conhecidos. Na época, a analista de inteligência do exército norte-americano Chelsea Manning passou a publicar no WikiLeaks uma série de documentos confidenciais sobre atividades militares e diplomáticas dos EUA.
Mais tarde, diante das polêmicas, alguns velhos amigos e colaboradores o descreveram como “egocêntrico”, “obsessivo” e “paranoico”, segundo informações da agência AFP. Ele teve dois filhos com a advogada sul-africana Stella Morris entre os sete anos que viveu na embaixada do Equador em Londres.
Por que ele é acusado de espionagem?
Essas informações divulgadas, incluíam 75.000 documentos relacionados à guerra no Afeganistão e cerca de 390.000 relatórios de campo do exército relacionados à guerra no Iraque. Chelsea também auxiliou Assange a desbloquear documentos que estavam com senha.
A analista chegou a ser condenada a 35 anos de prisão, mas sua pena foi reduzida posteriormente para sete anos.
O WikiLeaks também publicou mais de 250.000 telegramas diplomáticos datados entre 1996 e 2010, que forneciam informações sobre mais de 270 embaixadas dos EUA em todo o mundo.
Naquele mesmo ano, a plataforma divulgou o vídeo “Collateral Murder”, com quase 40 minutos de duração, que mostra soldados em um helicóptero Apache dos EUA matando uma dúzia de pessoas no solo em Bagdá, no Iraque, incluindo dois jornalistas da Reuters.
Desde então, Assange vem enfrentando uma série de batalhas judiciais para evitar a extradição para os Estados Unidos. Organizações independentes de imprensa —como a Repórteres Sem Fronteiras e a Anistia Internacional— já se posicionaram contra o julgamento do jornalista pela corte norte-americana e temem pela sua vida.
A plataforma WikiLeaks
A WikiLeaks é considerada por entusiastas uma plataforma de jornalismo investigativo inovadora para a sua época. Em seus 16 anos de existência, ela diz ter postado mais de 10 milhões de documentos e análises, o que a torna uma grande biblioteca de informações valiosas e, até então, secretas.
O site diz ser “especializado na análise e publicação de grandes conjuntos de dados de materiais oficiais censurados ou de outra forma restritos envolvendo guerra, espionagem e corrupção”.
Para Assange, levar a público essas informações é fundamental para garantir o direito à comunicação e à democracia. Segundo ele, a internet “foi a maior máquina de espionagem já inventada” e fornece as ferramentas necessárias para que os governos consigam tomar conta da vida dos cidadãos.
“Enquanto a internet nos ajuda a verificar o que alguns governos fazem, ela também pode se transformar em uma grande rede de espionagem como o mundo jamais viu”, disse Assange em uma entrevista.
O WikiLeaks diz ser “inteiramente financiado pelo seu editor, pelas suas vendas de publicações e pelo público em geral” e ter mais de 100 outras equipes nas Américas, África, Eurásia e Ásia-Pacífico.
Alguns dos maiores vazamentos do Wikileaks
Hillary Clinton: Durante a campanha das eleições presidenciais de 2016 nos EUA, o WikiLeaks divulgou emails e outros documentos do Comitê Nacional Democrata e do gerente de campanha de Hillary Clinton, John Podesta. Os emails revelaram como a cúpula do partido favoreceu Hillary nas primárias e trabalhou para desacreditar seu principal adversário, Bernie Sanders. Esses vazamentos causaram danos significativos à campanha de Clinton e foram atribuídas pela própria candidata como um potencial fator para sua derrota para Donald Trump.
Sony: O WikiLeaks postou emails hackeados da Sony em 2014. Segundo um dos emails, Peter Parker, o alter-ego do Homem-Aranha, tem que ser heterossexual e caucasiano, segundo um acordo de licenciamento entre a Sony Pictures e a Marvel. E que cogitou comprar o SBT.
Espionagem por celular: em 2011, divulgou um sistema de espionagem em massa realizado por governos de diversos países em telefones celulares, computadores e também nos perfis de redes sociais de seus cidadãos. A prática, diz o documento, é adotada por ao menos 25 nações (entre elas o Brasil) por intermédio de 160 empresas de inteligência.
Espionagem por smarTV: em 2017, apontou que supostas armas cibernéticas incluem um software malicioso criado para sistemas Windows, Android, iOS, OSX e Linux, além de roteadores de internet. O mecanismo para comprometer smart TVs modelo F8000 da Samsung se chamaria “Weeping Angel” (“Anjo chorão”, em português), segundos documentos com data de junho de 2014.
Panama Papers: O WikiLeaks e o Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo (ICIJ) relevaram em 2016 documentos sobre o funcionamento de empresas em paraísos fiscais e quantias enormes de dinheiro pertencentes a políticos, empresários, jogadores de futebol e famosos, como o presidente russo, Vladimir Putin; familiares do líder chinês Xi Jining; o ucraniano Petro Poroshenko; o jogador argentino Lionel Messi; e o ator Jackie Chan.
Quais são as maiores críticas ao Wikileaks?
Conspirador: Durante a campanha presidencial dos EUA, o WikiLeaks promoveu teorias conspiratórias sobre Hillary Clinton e o Partido Democrata. Em correspondência privada com a campanha de Trump no dia da eleição (8 de novembro de 2016), o WikiLeaks encorajou a campanha a contestar os resultados das eleições, caso eles perdessem.
Influência russa: a plataforma atraiu críticas por sua ausência de denúncias ou críticas à Rússia. Em agosto de 2016, depois que o WikiLeaks publicou milhares de e-mails dos democratas americanos, foi alegado que a inteligência russa havia hackeado os e-mails e vazado para o WikiLeaks.
Anti-semitismo: após o tiroteio com o Charlie Hebdo em 2015, a conta do WikiLeaks no Twitter escreveu que “o lobby judeu pró-censura legitimou os ataques”.
Violações à privacidade pessoal e má curadoria: O WikiLeaks atraiu críticas nessa seara até mesmo de defensores da transparência como Edward Snowden. Enquanto Snowden fez seus vazamentos públicos, o fez em parceria jornais e escolhendo os documentos que expunham apenas a Agência de Segurança Nacional americana. Já o Wikileaks não se importou em expor dados pessoais de pessoas do comitê democrata americano.
*Com agências de notícias AFP e RFI, jornal Independent uk; e matéria de Márcio Padrão.