A Justiça condenou a Uber a pagar uma indenização de R$ 400 mil à família de um motorista que foi assassinado durante uma corrida em Igarapé, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Luiz Gustavo de Assis morreu no 1º de março de 2019 no bairro Meriti, após quatro passageiros surpreenderem ele anunciando um assalto. A família entrou com ação contra a empresa
Segundo decisão da juíza titular da 37ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, Laudenicy Moreira de Abreu, a empresa deverá pagar R$ 200 mil por danos morais para a mãe de Luiz Gustavo e mais R$ 200 mil para a viúva dele, que ainda receberá uma pensão pela reparação de danos materiais. Além disso, a magistrada reconheceu o vínculo de emprego entre o motorista e a empresa de aplicativo.
A morte de Luiz Gustavo ocorreu após por volta das 23h30. O carro em que ele estava foi conduzido para debaixo da ponte sobre o Rio Paraopeba e o corpo dele foi achado nas águas três dias após o crime. De acordo com o laudo da necropsia, ele passou por uma sessão de tortura antes da morte. “No caso em tela, concluímos por duas causas de morte: o traumatismo cranioencefálico contuso e, como concausa, a asfixia. Encontramos o cadáver com as mãos atadas por fio de eletricidade, o que confere à vítima ausência de possibilidade de defesa”, diz o documento.
A família de Luiz Gustavo entrou com uma ação trabalhista contra a empresa, pedindo as devidas indenizações e o reconhecimento do vínculo empregatício. No entanto, na época, a Uber contestou os pedidos, afirmando que o motorista não estava trabalhando pelo aplicativo no momento do crime. Além disso, a Uber ainda afirmou que não poderia responder por “ato de terceiro” e que atuava apenas como uma intermediária entre passageiro e motorista.
No entanto, para a Justiça “os registros provam que ele estava trabalhando na noite do crime e a serviço da empresa”, defendeu juíza. “Diante desse cenário, torna-se induvidoso que a atividade da reclamada insere os trabalhadores que nelas operam, como o motorista, num grau de maior probabilidade para todas as espécies de violência em razão da natureza ou perigo intrínseco, sendo o risco inerente à atividade”.
Ainda, segundo a juíza, a empresa não está avançando nas medidas de segurança de proteção aos motoristas colaboradores. “Não se sustenta a tese defensiva de ausência de responsabilidade por apenas atuar como mera intermediadora entre passageiros e motoristas. Ela é detentora da atividade econômica, portanto, cabendo-lhe assumir não somente os lucros decorrentes, como também os seus riscos, intransferíveis a outrem.”
A juíza também entendeu que o motorista tinha vínculo empregatício com a Uber. Segundo ação, a família de Luiz Gustavo afirmou que ele trabalhava de acordo com as normas da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), com remuneração média de R$ 500 por semana. Para a magistrada, a contratação ocorreu com base na confiança existente entre a empresa e o profissional. Além disso, a impossibilidade de o motorista recusar corridas e de ter que trabalhar todos os dias confirmam que a prestação de serviço não era uma situação eventual.
“O trabalho não se qualificava como esporádico, pois a contratação não se deu para um evento apenas. Foi prestado de modo permanente, contínuo e habitual, em vista da necessidade e dinâmica normal da atividade, para atender à necessidade permanente e essencial do empreendimento, diretamente ligado à sua atividade-fim”.
O que diz a Uber
Em nota enviada ao UOL, a Uber informou que apresentou recurso para o TRT, já que “a decisão representa um entendimento isolado e contrário ao de outros casos já julgados por outros Tribunais pelo País, incluindo o STJ (Superior Tribunal de Justiça).”
Ainda, segundo a empresa, existe jurisprudência no Poder Judiciário que determina que a Justiça do Trabalho não é competente para julgar ações de indenização do aplicativo. “Independentemente disso, segurança é prioridade para a empresa. A Uber está sempre buscando, por meio da tecnologia, fazer da sua plataforma a mais segura possível, de uma forma escalável. Hoje uma viagem pelo aplicativo já inclui diversas ferramentas de segurança antes, durante e depois de cada viagem, tanto para os usuários quanto para os motoristas parceiros”, diz comunicado.
Além disso, a empresa ainda informou que a família do motorista recebeu um valor correspondente à cobertura do seguro de acidentes pessoais, regulamentado na “Lei do Uber”, sancionada em 2018. “Este seguro é oferecido sem nenhum ônus a todos os parceiros e usuários, e cobre todas as viagens ou entregas intermediadas pela plataforma, tanto para motoristas e entregadores parceiros, que possuem uma relação comercial com o aplicativo, quanto para os próprios usuários. A apólice também indeniza independente da apuração de culpa ou responsabilidade pelo acidente. Ocorrendo um acidente pessoal com um parceiro ou usuário da plataforma, a seguradora efetuará o pagamento da indenização securitária correspondente.”
A empresa ainda reafirmou que não havia vínculo empregatício entre o motorista e a Uber, pela ausência de quatro requisitos legais: onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação. “Em todo o país, já são mais de 1.800 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho reconhecendo não haver relação de emprego com a plataforma, além de julgamentos no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e cinco decisões no TST (Tribunal Superior do Trabalho)”, diz a Uber.
Vínculo empregatício é reconhecido na Europa
Nos últimos anos, países da Europa reconheceram legalmente o vínculo empregatício entre a Uber e os motoristas que trabalham por meio do aplicativo. Em decisão histórica em 2020, a respeito de um caso em que um motorista teve sua conta fechada, a Justiça francesa determinou que “ao conectar-se à plataforma digital Uber, há uma relação de subordinação entre o motorista e a empresa. Consequentemente, o motorista não realiza seu serviço como trabalhador autônomo, mas como empregado.”
Na época, a ministra do trabalho francesa, Muriel Pénicaud, destacou a necessidade de encontrar um novo quadro jurídico que proteja os trabalhadores, assalariados ou não.
Já no ano passado, a Suprema Corte britânica decidiu pela obrigação da Uber de pagar um salário mínimo e outros benefícios a um grupo de ex-motoristas no Reino Unido. A corte manteve as decisões de tribunais inferiores que concederam ao grupo de 25 motoristas um tipo de status de trabalhador no país, com vínculo com a Uber.
Em dezembro do ano passado, um colegiado do TST (Tribunal Superior do Trabalho) formou maioria para reconhecer o vínculo de emprego entre Uber e motoristas, mas o julgamento foi suspenso após o ministro Alexandre Belmonte pedir vista, ou seja, mais prazo para dar o seu posicionamento. Na ocasião, dois dos três ministros da Terceira Turma do TST reconheceram que aqueles que prestam serviço pelo aplicativo são enquadrados como funcionários da empresa.