Foi durante um café da manhã com o namorado que a ciberativista Carolline Sardá, 24 anos, disse ter descoberto que, até a primeira metade dos anos 2000, o pão francês era vendido por unidade no país. “A gente falava sobre como o pão está caro e ele disse sentir saudades de quando ia à padaria com R$ 2,50 e voltava com 10 pães para casa”, disse ela ao UOL.
O debate, levado por Carol ao Twitter, viralizou e marcou mais um choque entre gerações nas redes sociais. “Tem gente que acha que está muito velha por eu não me lembrar dessa transição, que rolou quando eu tinha 9 anos”, brinca.
meu namorado disse que teve uma época que a gente pagava pão por unidade, tipo R$0,25 por pão e que ele estranhou quando mudou pra quilo. alguém aí viveu essa transição também? kkkkkk
— Carol (@carollinesarda) May 30, 2022
Carol integra a chamada geração Z, de jovens nascidos entre 1996 e 2012. O namorado, o tatuador Guilherme Romero, 27 anos, é um millennial. “Ele fez parte desse grupo que ia à padaria quando era criança e se lembra dessa mudança de como pães eram vendidos — que eu não testemunhei”, disse.
Ao UOL, Romero afirmou ter ficado surpreso com a repercussão do tweet da namorada. “Nós fomos criados em Estados diferentes. Eu nasci no Rio, e ela, em Santa Catarina. Acredito que isso tenha influenciado essa percepção”, afirma o tatuador.
Mas, é por quilo ou por unidade?
Pelas redes sociais, consumidores relatam que há cidades em que algumas lojas físicas vendem o produto com preços que vão de R$ 0,40 a R$ 1 por unidade. Mas a prática é proibida, segundo o Procon (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor).
De acordo com o órgão, a venda por unidade é passível de multa, que pode chegar a R$ 100 mil. A determinação vale para qualquer tipo de estabelecimento. A regra foi implantada para padronizar o quanto o consumidor deve pagar pelo produto que leva para casa (leia mais abaixo).
Na minha cidade está 0,75 centavos a unidade, praticamente não comemos mais pão em casa, substituímos por tapioca, bolacha cream cracker e torrada pq sai mais em conta. Ficamos felizes com isso? NÃO #foraaquelequenaodevesernomeado
— Juliana Nogueira (@Julliana_pa) May 31, 2022
E nas vendas online?
O UOL consultou o site de supermercados dos três maiores grupos varejistas que operam no Brasil: Carrefour, Assaí e GPA (Grupo Pão de Açúcar). Desses, só Extra e Pão de Açúcar, ambos da rede GPA, oferecem a opção de compra de pães de sal por unidade, com preços de R$ 0,94 a R$ 1 para cada 50g do produto.
A reportagem também tentou efetuar compras por meio dos aplicativos iFood, Zé Delivery e Rappi. Nesse caso, só o iFood tem lojas cadastradas que vendem pães com valores que vão de R$ 1 a R$ 1,89 por unidade, sem especificar o peso do produto.
Em abril de 2021, o Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial) definiu que o pão francês deve ser comercializado só pelo peso — e não por valor unitário. Procurado pelo UOL, o órgão não informou se há algum dispositivo da norma que isenta plataformas de vendas online dessa obrigação.
Questionadas sobre quais medidas têm tomado para obedecer a determinação de pesagem do Inmetro, as empresas citadas também não haviam se posicionado até a última atualização desta reportagem. O texto será atualizado em caso de eventuais manifestações.
Mudança de regras para venda por quilo
Mas, afinal, quando o pãozinho começou a ser cobrado por quilo? Até 2006, o pão francês era vendido de acordo com regulamento de uma portaria do Inmetro publicada em 1997, que estabelecia que o produto poderia ser comercializado a peso ou em unidades de peso nominal definido, que variava de 50 g a 1 kg.
Segundo a norma, para unidades com peso inferior a 30 g, a venda só poderia ser realizada por pesagem, na presença do consumidor. O problema, segundo o presidente da Abip, é que, para evitar problemas com a fiscalização, a panificadoras produziam pães com gramas a mais — excedente que, em geral, não era repassado ao cliente.
“Por outro lado, alguns comerciantes aumentavam a fermentação e vendiam o pão a preço de 50g. Então, o consumidor pagava caro por um produto oco. Com a atualização da norma, o consumir passou a pagar um preço justo”, afirma.
Para tentar diminuir o nível de erros e trapaças na pesagem do pão francês vendido por unidade, outra portaria do Inmetro definiu, em 2006, que padarias e supermercados só poderiam vender pão francês por quilo. Foi nessa época que o tamanho do pão de sal começou a minguar — resultado de uma tentativa das padarias para evitar o aumento no preço do produto.
O método de cobrança foi escolhido por meio de uma consulta pública promovida pelo Inmetro durante dois meses. Segundo a pesquisa, mais de 70,3% dos 1.041 entrevistados disseram preferir comprar o pão por quilo.
A mudança, que recebeu o apoio dos sindicatos e associações do setor de panificação do país, na prática, desagradou alguns consumidores que passaram a gastar mais com o produto.
Professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e pesquisador do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), o economista André Modenesi diz que é difícil estimar quanto o pão custaria hoje, considerando ajustes inflacionários, se a cobrança fosse mantida por unidade.
“O pão tem formas, pesos e tamanhos diferentes em um mesmo estabelecimento. Não é comparável a uma televisão, por exemplo, cujo preço é passível de ser controlado a depender de quantas polegadas tem cada aparelho. No caso do pão, a venda a quilo visa a coibir estratégias que vendedores de má-fé poderiam usar para maquiar o preço. É uma medida de proteção ao consumidor”, analisa.
Conflito na Ucrânia encareceu o pãozinho
Levantamento da Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos) mostra que o preço do trigo teve alta de 2,3%, de março a abril de 2022, influenciados pelo conflito entre Rússia e Ucrânia, iniciado em fevereiro. Considerando a variação anual (abril de 2021 a abril de 2022) no mercado interno, a tonelada do cereal subiu 18,5%, chegando a R$ 1.903.