Mapeamento a laser revela pirâmides escondidas na Amazônia boliviana


Pirâmides de terra de até 22 metros de altura foram encontradas no sudoeste da Bacia Amazônica da Bolívia, na América do Sul. Acredita-se que as estruturas tenham sido construídas pelo povo Casarabe. Datações por radiocarbono indicam que os Casarabes viveram na região cerca de 500 anos antes de Cristo e desapareceram por volta do ano 1400, mas ainda não se sabe por quais motivos.

As pirâmides foram descobertas por cinco cientistas dedicados a explorar mais detalhes da cultura desse e de outros povos que ocupavam diversos pontos da Bacia Amazônica.

As estruturas encontradas estavam escondidas entre montes florestais. Mas nem sempre foi assim. As pirâmides faziam parte de grandes centros urbanos instalados em uma área prevista de mais de 100 hectares, o que corresponde a três vezes o tamanho da Cidade do Vaticano.

Pirâmides encontradas na bacia amazônica boliviana - Roland Seitre/Nature Picture Library - Roland Seitre/Nature Picture Library
Imagem: Roland Seitre/Nature Picture Library

As descobertas, publicadas no último dia 25 na revista científica Nature, revelaram que nesses centros urbanos havia muros e amplos terraços que se erguiam até seis metros acima do solo. As pirâmides subiam de uma das extremidades dos terraços, como se fossem uma espécie de braço ou acesso.

A publicação ainda sugere que essas pirâmides eram grandes centros cívico-cerimoniais, o que pode revelar a forma como os Casarabes enxergavam o mundo. As pessoas provavelmente viviam nas áreas ao redor dos terraços e pirâmides.

As pesquisas observaram a existência de quilômetros de estradas, calçadas e outras estruturas típicas de uma cidade, inclusive com “infraestrutura maciça de gestão de água, composta por canais e reservatórios, em uma paisagem antropogenicamente modificada”.

“Nossos resultados indicam que o padrão de assentamento da cultura Casarabe representa um tipo de urbanismo tropical que não foi descrito anteriormente na Amazônia”, avalia o artigo publicado na Nature.

Tecnologia adiantou 400 anos de pesquisa

A descoberta das pirâmides e outros detalhes de como vivia o povo Casarabe só foi possível graças ao uso de uma tecnologia de sensoriamento remoto, conhecida como Lidar, que mapeia o terreno a partir do ar. Essa tecnologia, lançada em 2010, utiliza lasers para gerar uma imagem 3D do solo analisado, através de sensores ópticos ativos e infravermelhos.

Em 2019, durante um sobrevoo na região da Bacia Amazônica boliviana, os cientistas Heiko Prümers, Carla Jaimes Betancourt, José Iriarte, Mark Robinson e Martin Schaich estavam equipados com essa tecnologia e resolveram testá-la em seis áreas próximas a locais que já tinham sido confirmados com a presença do povo Casarabe.

Prümers e seus colegas conseguiram mais do que esperavam. Descobriram um total de 26 assentamentos humanos, sendo que 11 deles eram inéditos. Os cientistas descreveram como uma tarefa monumental, que poderia levar até 400 anos entre ser descoberta e averiguada por técnicas convencionais.

Hipótese confirmada após 20 anos

Durante o século 20, estudiosos acreditavam que a região da Amazônia nunca havia sido densamente povoada. Além das matas densas, o solo pobre em nutrientes teria impedido civilizações tropicais de fixar moradia na bacia da América do Sul e desenvolver assentamentos mais sofisticados.

A ideia que se tinha era de que apenas pequenas tribos nômades teriam habitado a região, diferente do que ocorreu, por exemplo, na América Central e no sudeste da Ásia.

Mas em 1999, Heiko Prümers, do Instituto Arqueológico Alemão, em Berlim, começou a estudar pequenos montes cobertos de árvores, que se erguiam acima de uma área de planície na parte boliviana da Bacia Amazônica, fora da densa floresta tropical.

Ele e outros pesquisadores levantaram a hipótese de que essas altas concentrações de plantas eram domesticadas e os trechos desse solo eram ricos em nutrientes. Esses dois fatos despertaram a possibilidade de que povos amazônicos poderiam ter vivido ali e moldado o ambiente com estruturas semelhantes a pequenos centros urbanos.

Em 2018, um grande desmatamento atingiu o sul da floresta amazônica e trouxe à tona outras áreas que pareciam ter sido habitadas. Sem a mata, apareceram centenas de montes geométricos. As estruturas se assemelhavam à organização de antigas sociedades, no entanto, faltavam evidências diretas de que de fato se tratavam de assentamentos urbanos.

Na época, escavações revelaram que essas ‘ilhas florestais’ continham vestígios de habitação humana, incluindo restos da misteriosa cultura Casarabe. Os pesquisadores também encontraram túmulos, plataformas e outros indícios de uma sociedade complexa. Mas a vegetação densa dificultou o uso de métodos convencionais para pesquisar o local.

O que a descoberta pode trazer para a humanidade?

Basicamente, essa descoberta revela uma grande mudança de pensamento sobre como viviam os povos na Bacia Amazônica. Se antes, acreditava-se que todos os amazônicos viviam em pequenas tribos nômades, agora já se sabe que não se pode menosprezar a complexidade da infraestrutura de alguns desses assentamentos.

“Temos essa imagem da Amazônia como um deserto verde, desprovido de qualquer tipo de cultura. Mas dado que as civilizações surgiram e prosperaram em outras áreas tropicais, por que algo assim não deveria existir aqui?”, questiona Prümers.

O estudo se soma a um crescente corpo de pesquisas que indicam que a Amazônia – que se pensava ter sido uma selva intocada antes da chegada dos europeus – era o lar de sociedades avançadas bem antes disso.

Após comemorar as descobertas, os pesquisadores ressaltam que outros questionamentos ainda pairam no ar. Eles querem saber agora por que esses assentamentos foram abandonados, por exemplo.

A existência dos reservatórios nos assentamentos pode indicar que essa região nem sempre tenha sido úmida e que uma mudança ambiental tenha afastado as pessoas.

As descobertas também podem revelar outros aspectos importantes, como as práticas agrícolas utilizadas. De acordo com a publicação, registros indicam que o milho foi cultivado por milhares de anos na região, o que pode explicar por exemplo algumas características atuais do solo.

Pesquisadores chamam a atenção para a necessidade de preservar e proteger tais lugares, que são importantes sítios arqueológicos ainda não descobertos e que contam a história da humanidade.



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