Xbox planeja acessório para jogar sem videogame. É o fim do console?


Esse é um tema que, vira e mexe, volta aos holofotes: a morte dos consoles de videogames. E, novamente, quem está no centro das discussões é a Microsoft, por meio da Xbox, sua divisão de games.

O primeiro passo nesse sentido veio com o lançamento do Xbox Cloud Gaming, em setembro de 2021. Popularmente conhecido por xCloud, o serviço permite utilizar dispositivos como celulares, tablets e até mesmo consoles Xbox para jogar games via streaming.

Mas não confunda com serviços como Xbox Game Pass, a nova PlayStation Plus e o Nintendo Switch Online. Nestes, a assinatura mensal dá direito a baixar qualquer título de uma biblioteca pré-definida, rodado em um videogame ou no PC. No xCloud, nada é baixado. O game roda em servidores remotos e o dispositivo do jogador é responsável apenas por mostrar esse jogo na tela e retransmitir os comandos.

Isso, por si só, já dispensaria o uso de um console, mas a Microsoft planeja ir além. Seu mais recente protótipo é um um dispositivo chamado Keystone, que é plugado em uma TV e se comunicaria diretamente com o xCloud. Seria algo parecido com o Chromecast, do Google, ou o Fire TV Stick, da Amazon — mas para jogos, em vez de filmes e séries.

Assim, seria possível ter uma experiência bem próxima da obtida quando se utiliza um console, mas sem precisar comprar o aparelho nem utilizar fios e conexões.

O Keystone era um rumor antigo, mas foi confirmado por uma fonte anônima ao site Windows Central. “Nosso objetivo é permitir que as pessoas joguem os jogos que quiserem, nos dispositivos que quiserem, em qualquer lugar que quiserem”, afirmou. Ela não revelou uma previsão de lançamento.

Cada vez mais “serviço”

Jogadores enfrentam Hakkar em Zul'Gurub,  em World of Warcraft - Reprodução/WoWHead - Reprodução/WoWHead

World of Warcraft: exemplo bem-sucedido de “jogo como serviço”

Imagem: Reprodução/WoWHead

Apesar de parecer um passo revolucionário, o Keystone é um exemplo de uma tendência vista nos últimos anos: a ideia de tratar games como um serviço, e não como uma “propriedade”. Há muitos anos, games como World of Warcraft já adotam o modelo de negócio “pague uma assinatura, não o jogo”.

O Xbox Game Pass segue no mesmo sentido. Desde 2020, ele ficou ainda mais ousado, passando a incluir vários games desde o dia de seu lançamento oficial – acabando com um dos principais diferenciais dos jogos individuais. O consumidor encara uma dúvida sedutora: pagar cerca de R$ 299 por um único jogo em sua estreia, ou R$ 29,99 por mês para ter acesso a vários jogos — inclusive essa novidade que ele quer?

Claro que o Xbox Game Pass não acabou com as vendas de games individualmente. Por mais que tenha uma biblioteca diversa, há quem não encontre o seu favorito disponível. E o acesso não é “para sempre”: você pode perdê-lo caso interrompa a assinatura, ou caso simplesmente a Microsoft decida retirá-lo do catálogo. (No geral, eles ficam disponíveis por cerca de um ano.)

Ainda assim, o serviço teve um impacto enorme na indústria, criando uma tendência tão inegável que a concorrente PlayStation teve que se adaptar. Seu plano de assinaturas PS Plus adotou o mesmo formato do rival. No Brasil, essa atualização chega em 13 de junho.

Em países como o Brasil, onde comprar um game novo acaba custando praticamente o mesmo cobrado pela assinatura de um ano, esse tipo de assinatura também ajuda a democratizar o acesso e fortalecer a produção independente.

Tela do Windows 11 para Xbox Game Pass - Divulgação/Microsoft - Divulgação/Microsoft

Tela do Windows 11 para Xbox Game Pass

Imagem: Divulgação/Microsoft

Adeus, videogames?

Será que o lançamento do Microsoft Keystone tem o potencial de ir além do impacto causado pelo Xbox Game Pass? Ou seja, ser mais do que uma tendência e, sim, uma revolução que quebre um ciclo iniciado há 50 anos pelo Odyssey, o primeiro aparelho doméstico de videogames?

Ainda que ele chegue por um preço muito mais convidativo do que o de um console e tenha uma adoção massiva, é pouco provável que os consoles deixem de existir. E por alguns motivos.

Um deles é que uma boa parcela de consumidores ainda busca uma experiência mais tradicional, que envolve a propriedade do videogame e dos jogos. Eles são a explicação de porque a indústria vende de games digitais há anos, mas jamais deixou de lançar versões físicas.

Fora isso, o streaming ainda não é capaz de reproduzir a mesma experiência de um console ou um PC. Entre outros problemas, por exemplo, há um inevitável atraso entre o momento em que o jogador dá um comando no controle e a resposta do personagem no jogo a esse comando. É algo imperceptível na maioria dos games, mas que pode incomodar jogadores mais exigentes, especialmente em títulos que exigem mais precisão, como games de tiro, corrida, ritmo e luta.

A tentativa de incorporar videogames a outros aparelhos não é uma ideia nova, ainda que com abordagens distintas – e, claro, limitados pela tecnologia da época.

A japonesa Sharp lançou em 1983 a Sharp Nintendo Television, que unia uma TV de 14 ou 19 polegadas e um Famicom (o NES, popularmente conhecido por aqui como Nintendinho). Em 1990, ofereceu o Super Famicom Naizou TV SF1, que tinha tela de 14 ou 21 polegadas e embutia um Super Famicom (a versão japonesa do Super Nintendo).

Super Famicom Naizou TV SF1 - Wikimedia Commons - Wikimedia Commons

A Super Famicom Naizou TV SF1 tinha um Super Famicom embutido e se destacava pela praticidade e qualidade de imagem

Imagem: Wikimedia Commons

Ambos produziam imagens de melhor qualidade do que um videogame ligado tradicionalmente à TV por meio de cabos. E, claro, economizavam espaço e eliminavam os fios. Apesar disso, nunca se popularizaram.

A Sony também tentou, com o PSX (ou PlayStation X), em 2003. Era uma espécie de central multimídia com várias funções, como gravação de DVDs, capacidade de sintonizar sinal de TV e armazenar arquivos de mídia. E também era um PlayStation 2, um dos consoles mais populares de todos os tempos. Bastava conectar dois controles de PS2 e inserir o disco do jogo.

Na prática, porém, o PSX ficou restrito ao Japão e teve vida curta. Foi descontinuado em 2005.

PSX PS2 - Reprodução - Reprodução

O PSX foi uma aposta da Sony para ter um “tudo em um”: era gravador e reprodutor de DVDs, sintonizava TV e funcionava como um PS2

Imagem: Reprodução

Por fim, há uma questão fundamental: uma vez que é obra da Microsoft, o Keystone deve se limitar a ser uma interface para o xCloud apenas.

Sony e Nintendo podem até lançar suas versões no futuro, mas até que isso ocorra (se ocorrer), fãs de franquias extremamente populares, como God of War e Mario, ainda terão que recorrer aos consoles desses fabricantes (ou a um PC, no caso de alguns jogos da Sony).

Nada disso, porém, quer dizer que o Keystone está fadado ao fracasso, muito pelo contrário. A ideia de democratizar, baratear e, acima de tudo, facilitar o acesso aos games é uma cartada excelente da Microsoft, que a consolida como a empresa que dita os rumos do setor.

A se confirmar o seu lançamento, o Keystone tem tudo para ser um passo inovador na indústria, mas ainda é cedo demais para cravarmos que ele representa uma revolução capaz de mudar por completo uma indústria com meio século de existência.



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