STF dá pistas de como vai tratar as eleições nas redes sociais


Ninguém se surpreendeu com o resultado da sessão da 2ª Turma do STF na última terça-feira (7). Era esperada a não confirmação pela Turma da decisão do ministro Nunes Marques, que havia revisado o julgamento do TSE pela cassação do deputado Fernando Francischini (União Brasil – PR), devolvendo o mandato do deputado bolsonarista.

Embora o resultado não tenha surpreendido, vários elementos trazidos pela decisão de Nunes Marques, e outros apontados durante o julgamento no STF, revelam estratégias e disputas que devem marcar o debate sobre eleições nas redes sociais neste ano.

Aqui vão alguns detalhes que podem ter passado despercebidos, mas que dizem muito sobre o que nos espera pela frente.

1. “Tecnologia venezuelana”: o que disse o deputado?

As falas do deputado Francischini que levaram à cassação do seu mandato pelo TSE aconteceram em live realizada pelo então candidato faltando 22 minutos para o fechamento das urnas no primeiro turno de 2018. A transmissão foi assistida por mais de 70 mil pessoas.

O deputado começa apontando que chegou ao seu conhecimento que duas urnas haviam sido fraudadas ou adulteradas e que ele teria “toda a documentação” que comprovaria a fraude. “Nós estamos estourando isso aqui em primeira mão pro Brasil inteiro (…) urnas ou são adulteradas ou fraudadas”, disse o deputado.

Em seguida, o político passa a afirmar que a tecnologia que roda nas urnas eletrônicas seria de origem venezuelana. “Não vamos aceitar que uma empresa da Venezuela, que a tecnologia que a gente não tem acesso, defina a democracia do Brasil”, diz Francischini, para então complementar que “só aqui e na Venezuela têm a porcaria da urna eletrônica”. Nada disso faz qualquer sentido.

O deputado então passa a insinuar que nas eleições presidenciais de 2014 houve fraude na contagem dos votos para favorecer a candidata Dilma Rousseff.

Segundo o mesmo: “Daqui a pouco nós vamos acompanhar [a apuração dos resultados], sem paradinha técnica, como aconteceu com a Dilma”.

Como se sabe, não houve fraude ou “paradinha” para favorecer candidato na eleição presidencial de 2014.

Depois de enfileirar essa série de perplexidades, o deputado afirmou que pôde trazer ao público essas informações por estar protegido por sua imunidade parlamentar.

2. TSE de olho nos “paladinos da Justiça” da internet

A decisão do TSE em cassar o mandato do deputado contém várias mensagens sobre como o tribunal está enxergando as eleições nas redes sociais.

O tribunal rebateu as informações falsas trazidas pelo deputado, tendo ainda a delicadeza de esclarecer que a tecnologia das urnas não é venezuelana.

Segundo o TSE: “sendo a Justiça Eleitoral criadora e desenvolvedora da urna eletrônica seria no mínimo contraditório dizer que não há acesso à tecnologia de sistemas”.

Além disso, “a empresa que produz as urnas não é venezuelana, o que aliás, por si só, não representaria qualquer problema se fosse verdade.”

O tribunal reconheceu que houve abuso de meio de comunicação social e que os ataques do deputado ao processo eleitoral não estavam protegidos pela imunidade parlamentar.

Esse tema vai voltar depois no julgamento do STF.

Além disso, para comprovar o abuso de poder político é preciso que o candidato tenha alguma vantagem com essa prática. O TSE entendeu que, ao comunicar falsas denúncias, o deputado se colocou como “paladino da Justiça”, fomentando incertezas sobre as urnas eletrônicas e revelando informações que só poderiam ter chegado ao público por conta da sua imunidade.

É importante ficar de olho nessa interpretação porque candidatos que já ocupam funções públicas que concedem imunidade parlamentar, caso ataquem o processo eleitoral com informações falsas em 2022, poderão ser enquadrados da mesma forma.

3. Como funcionam as redes sociais

Ao proferir decisão que revisou os efeitos do julgamento colegiado do TSE, o ministro Nunes Marques, do STF, entendeu que a corte eleitoral havia inovado na interpretação das normas, usando para live na internet um dispositivo que fala sobre “comunicação social”.

Seria internet mais um meio de comunicação social, como o rádio e a televisão?

O TSE vem usando o artigo 22 da Lei Complementar nº 64/90 para sancionar candidatos que espalham desinformação nas redes.

Nunes Marques argumentou que as redes sociais “não são um desenvolvimento natural e linear da televisão e do rádio, que possam ser absorvidos por uma interpretação analógica.”

Segundo o ministro, na internet “há uma grande liberdade para produção de conteúdo por qualquer pessoa, a qualquer momento e em qualquer lugar, e os acessos também são praticamente ilimitados e assíncronos, sem que exista alguém com uma chave geral para fechar a entrada ou a difusão de novas informações.”

Olha, errado não está.

Se eu quiser ler essa coluna ao vivo no rádio ou na TV agora eu não consigo —sorte da audiência— porque existe uma edição que seleciona o que vai ao ar. Só aquele conteúdo selecionado é que é veiculado. Um de cada vez.

Nas redes todos falam ao mesmo tempo.

Isso tem impacto nas eleições porque se todos os candidatos podem usar a estrutura das redes para criar conteúdos ao mesmo tempo a dinâmica de controle e aferição de abuso são diferentes do que seria no rádio e na TV.

4. Judiciário favorece ou prejudica candidatos?

Aproveitando a explicação sobre como funcionam as redes e como isso mexe com a interpretação sobre o que seria uso indevido desse meio para obter vantagem, Nunes Marques conclui que é o próprio que pode vir a desequilibrar as eleições ao interferir na maneira pela qual candidatos se valem dos meios digitais.

Na internet, de acordo com o ministro, “a manifestação de um candidato não impede nem limita a manifestação de seus concorrentes. Logo, a ideia de que o meio de comunicação pode desigualar a disputa precisa ser repensada aqui em termos diferentes daqueles que estavam na base das interpretações sobre a televisão e o rádio, sob pena de a intervenção judicial vir a, ela mesma, desequilibrar o pleito em favor de candidatos que, por qualquer razão, não souberam ou não quiseram ingressar nessa nova forma de expressão comunicativa.”

Esse trecho pode tanto ser lido como uma crítica à atuação do Judiciário no combate à desinformação na internet, ordenando a suspensão de contas de políticos (em especial alinhados ao presidente), mas também como uma referência a políticos que optaram por não concentrar esforços na comunicação digital.

Aqui chama atenção o fato de que o presidente Bolsonaro possui perfis ativos em diversas redes sociais, ao passo que outros candidatos têm contas com menor grau de engajamento ou mesmo nem possuem perfis nas redes sociais mais populares.

Esse é um ponto delicado e preocupante.

Se por um lado a decisão de Marques parece atentar para uma questão de relevo —que é o entendimento das peculiaridades da internet— a conclusão de que a atuação do Judiciário poderia favorecer ou prejudicar candidaturas é um prato cheio para narrativas conspiratórias que se multiplicam nas redes.

5. Visões diferentes dentro do STF

O julgamento na 2ª Turma do STF colocou um ponto final nesse capítulo. Por 3 votos a 2 a decisão do ministro Nunes Marques foi vencida e o mandato do deputado Francischini segue cassado.

Todavia, os ministros do STF revelaram visões muito distintas sobre o que aconteceu na live do deputado e suas repercussões jurídicas.

Para Nunes Marques e André Mendonça, o fato da transmissão ter ocorrido faltando apenas 22 minutos para o fechamento das urnas tornaria remota a possibilidade dela ter causado qualquer impacto no resultado das eleições.

Dessa forma, ainda que a fala do deputado contenha diversas informações falsas, a ausência de resultado modificativo nos votos impediria que o tribunal adotasse medida tão gravosa como a cassação do mandato.

Por outro lado, os ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes apontaram para a gravidade do que foi dito pelo deputado e que o conteúdo em si justificaria a medida enérgica.

Segundo Fachin, “não existe direito fundamental a se atacar a democracia e não há liberdade de expressão ou imunidade parlamentar que ampare a divulgação de notícias falsas.”

Essa divergência não vai embora tão cedo e deve marcar futuras decisões do STF sobre o tema da desinformação.

O que importa mais para o sancionamento de quem desinforma: o resultado do que é dito ou a gravidade do seu conteúdo?

Por tudo isso, o arco que envolve a cassação do deputado Francischini é tão revelador do que nos espera pela frente nos debates sobre desinformação nas redes.

Aqui ficam apenas algumas sinalizações para que a gente não se perca no meio do caminho.



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