Quando pensamos em agricultura, vem à mente aqueles grandes campos de terra, semeados com plantas, sob um clima generoso.
O Nemo’s Garden te força a desafiar essa imagem bucólica. Em vez de campos de terra, o leito do mar. Em vez de sol, vento ou chuva, estufas, pressão, nem tanta iluminação natural – mas, também, nenhuma praga.
Idealizado pelo italiano Sergio Gamberini, o Nemo’s Garden cultiva vegetais em biosferas submersas na costa da Itália.
Os resultados são promissores: suas folhas de manjericão, por exemplo, têm o mesmo sabor das plantas “terrestres”, mas com uma concentração maior de óleos essenciais.
Apesar do alto custo de investimento, a produtividade é maior – e os índices de sustentabilidade, também.
“As plantas se beneficiam de temperatura e umidade constantes, proteção natural contra pragas e a intensidade de uma atmosfera pressurizada. Então, elas germinam e crescem mais rapidamente e com uma taxa de sucesso maior”, explica Alastair Orchard, vice-presidente de empreendimentos digitais na Siemens Digital Software.
“Além disso, essas plantas desenvolvem níveis mais altos de micronutrientes responsáveis pelo sabor e pela saúde, o que auxilia em mais quantidade e melhor qualidade”, conclui.
A Siemens entrou no projeto em abril, para criar um sistema de controle virtual das biosferas. Mas a história do “Jardim do Nemo” começou lá atrás, em 2012, com uma inspiração completamente maluca.
E se…?
Gamberini passava férias com amigos na Riviera Italiana, e, durante um mergulho, por algum motivo inexplicável, lembrou-se do manjericão.
Muito usada na culinária italiana, a planta é notoriamente “chata” de ser cultivada, sensível a oscilações na temperatura ambiente, na umidade do solo e na incidência de luz solar. Sabe onde tudo isso é mais estável? No fundo do mar.
Para plantar a erva debaixo d’água, claro que não bastaria só cavar uns buracos e jogar a semente. A solução correta seriam estufas climatizadas – uma tecnologia não tão distante da empresa que Gamberini já tinha, a Ocean Reef Group, dedicada a equipamentos de mergulho.
No mesmo ano, ele já improvisou a biosfera, na cidade de Nori, e plantou suas primeiras mudas. Deu certo: os vegetais cresceram.
Em 2013, expandiu para dois ambientes maiores, com volume de 800 litros, feitos de polietileno. Foram ancorados a cerca de 6 m de profundidade e preenchidos com ar, com uma aparência que lembra um pouco a de uma água-viva.
Uma estrutura interna permite o cultivo hidropônico, ou seja, sem terra. As mudas são alocadas em uma solução nutritiva que as permite crescer. Mergulhadores checam regularmente seu desenvolvimento.
Apesar de uma forte tempestade em 2018, que danificou uma das estruturas, e da interrupção dos trabalhos em 2020 graças à pandemia, o Nemo’s Garden segue em expansão – agora com estruturas maiores e outras plantações, como alface e rúcula.
Plantar na água para economizar água
Sob a superfície do mar, essas plantas não sofrem com secas, geadas ou excesso de chuva, fatores que podem influenciar a qualidade do produto ou até destruir plantações inteiras.
E, sem a ameaça dos parasitas tradicionais, os pesticidas também são dispensados. Não há contaminação do solo, do ar ou da água.
Por falar em água, as biosferas também precisam de água doce. Mas apenas uma única dose. Muito diferente das plantações tradicionais, que, segundo a FAO (agência das Nações Unidas para a alimentação e agricultura), monopolizam 70% do consumo da água doce no mundo. (O valor inclui a pecuária, principal vilão no quesito.)
Nas biosferas, a diferença de temperatura dentro em relação ao exterior cria condensação, e esse líquido que é captado para circular pelo sistema de hidroponia.
“As estruturas do Nemo’s Garden ainda são suficientemente rasas para receber luz solar durante o dia. Isso não só elimina a necessidade de iluminação artificial, mas também impulsiona o ciclo da água, que hidrata as plantas e promove a troca de gás com a superfície da água”, complementa Orchard.
Apoio tecnológico
A Siemens se aliou à startup para criar “gêmeos digitais” das estufas. Assim, é possível fazer simulações computadorizadas precisas com diferentes quantidades de luz, nutrientes, ou outros parâmetros.
Antes, Gamberini e sua equipe faziam tudo na base da tentativa e erro. Às vezes, levavam uma estação do ano inteira ou todo o período de plantação e colheira para descobrir que novas propostas não haviam dado o retorno esperado.
“A simulação acelera este processo porque pode avaliar ideias em tempo real. Por exemplo, qual será o resultado de uma mudança em um material, na curva de uma superfície ou no layout das células de cultivo. Ou se o agrupamento das esferas afetará a integridade estrutural do jardim, qual será o rendimento das colheitas, ou se o projeto causará a erosão das praias próximas”, aponta Orchard.
De acordo com Orchard, a equipe do Nemo já coletou volumes consideráveis de dados de cada biosfera, de forma que há muitas tendências históricas para validar as previsões feitas por software.
Além de ajudar a projetar mudanças, o gêmeo digital do Nemo’s Garden acaba tendo outras funções.
É possível, por exemplo, converter dados reais dos sensores presentes nas biosferas em dados do sensor virtual, o que permite controlar com mais precisão as condições do ambiente, antever a necessidade de manutenção ou até definir as datas de colheita, reduzindo as visitas de inspeção feitas pelos mergulhadores.
O que o futuro reserva?
Se a ideia de cultivar plantas no fundo do mar já se mostrou viável, fica a dúvida: até que ponto isso pode ser replicado em larga escala, de forma a termos verdadeiras fazendas subaquáticas?
Para responder a essa pergunta, é preciso primeiro levar em conta as limitações e as oportunidades impostas pelo formato do Nemo’s Garden.
“Esse formato combina melhor com culturas ‘curtas’ como ervas e verduras ou que podem ser treinadas para crescer horizontalmente. Plantas tropicais usadas na produção de medicamentos e que são naturais de selvas remotas também costumam prosperar nas biosferas”, lista Orchard.
Por outro lado, raízes como batata, plantas que não se adaptam a ambientes úmidos ou muito grandes acabam não sendo adequadas a essa solução.
No momento, o projeto procura parceiros agrícolas que tenham experiência em plantações de grande escala para poder crescer e se espalhar em outros lugares do planeta. Dentre os países-alvo da iniciativa estão locais onde há escassez de espaço para a agricultura e de água para irrigação, como Cingapura, Caribe, Oriente Médio e sul da Califórnia.