Redes sociais como o YouTube, Instagram e Facebook são diferentes de outros sites. As pessoas não entram para ver um canal ou uma pessoa. Isso é raro. Elas entram para ver a timeline. E a plataforma mostra o que é interessante mostrar neste momento. E a escolha da rede é sempre para atender sua necessidade comercial, geralmente para adestrar os criadores mediante a necessidade da plataforma.
Por exemplo: no caso do Facebook, eles não mostram o que você posta para quase ninguém, a não ser que você pague por isso. Quem posta nas redes (os criadores) são vistos como anunciantes.
No caso do YouTube, eles têm uma demanda muito alta, tanto por parte de pessoas que querem consumir conteúdo como por anunciantes que querem anunciar. Por isso, precisam aumentar a oferta (conteúdo). Neste caso, o algoritmo adestra os criadores a criar mais conteúdo. Maior quantidade de vídeos, maior frequência (mais vídeos por semana), mais tempo de vídeo etc.
O adestramento é muito simples, como a plataforma escolhe qual vídeo mostrar para os usuários, ela dá prioridade aos criadores que fazem mais vídeos por semana.
Na prática funciona assim: se o criador faz vídeo uma vez por semana, o YouTube não mostra o vídeo para ninguém. Se o criador faz vídeo duas vezes por dia, ele mostra para um monte de gente.
Claro, estou simplificando, existem vários outros componentes nesta fórmula, mas essa fome por geração de conteúdo é o principal motivo de burnout de criadores pelo mundo. É praticamente um trabalho 24 horas, 7 dias por semana, 365 dias por ano. Criadores nunca tiram férias.
Com isso a qualidade dos vídeos foi caindo assustadoramente. Fazer dois vídeos toscos por dia comentando banalidades ganhará mais audiência do que um vídeo que levou duas semanas para ser produzido, independentemente da qualidade.
Nesta lógica, tudo bem perder o bom conteúdo. Enquanto Facebook e Google reinarem absolutos, eles podem trocar qualidade por quantidade.
Sucesso avassalador do TikTok
O problema é quando surge um sucesso explosivo como o TikTok. Como todos vocês já sabem, a plataforma e seus viciantes vídeos curtos invadiram o universo das redes sociais.
Não se trata apenas de ter vídeos curtos, gerando dopamina a níveis nunca antes vistos. O TikTok também entendeu que o sonho de muita gente hoje em dia não é virar jogador de futebol, tampouco fazer uma faculdade. O sonho de milhões de pessoas no Brasil e pelo mundo é virar um influenciador. É ter seus 15 segundos de fama todos os dias, de preferência, várias vezes ao dia.
A plataforma transformou todo mundo em “mico”-celebridade ou microinfluenciador.
O sucesso foi tão grande que o esperado aconteceu: todas as outras redes passaram a imitar, lançando suas versões de vídeos curtos.
Este tipo de resposta não é novidade, acontece sempre. Para dar apenas o exemplo mais óbvio, temos os stories, que foram copiados do Snapchat e hoje estão presentes em todas as redes sociais.
O Snapchat perdeu essa briga porque ainda era muito pequeno para competir com o Instagram, mas o TikTok já é um monstro gigantesco, com números de audiência e usuários similares ou maiores que o Instagram. Tudo isso sem contar que tem uma forte aderência na geração mais nova.
A estratégia (ou falta dela) de copiar todo mundo o tempo todo e não inovar tem seu risco.
O problema é que, a hora que todo mundo virar o TikTok, o TikTok venceu. Venceu porque todas a outras irão perder seus diferenciais ou características que as tornavam únicas.
Com esta concorrência, o TikTok vai vencer não apenas por ser o líder disparado neste tipo de conteúdo, mas também porque o seu modelo de negócio permite isso. Um modelo que é incompatível com a mecânica atual de YouTube e Instagram, cujo algoritmo mostra seu conteúdo apenas para 1% ou 2% de sua rede.
Postei um shorts no YouTube, em dois dias teve 3 mil visualizações. O mesmo vídeo no TikTok teve 340 mil visualizações no mesmo período. Demorei um ano para chegar a 2 mil inscritos no YouTube. No TikTok, levei apenas uma semana.
Imitar é desespero, não é estratégia
YouTube Originals foi uma maneira de tentar copiar a Netflix.
O programa selecionava criadores, escutava suas ideias, escolhia as que acreditava e bancava a produção.
Este modelo tem problemas sérios de escala, tanto de atenção como de investimento. Netflix e outras plataformas de streaming investem dezenas de bilhões para manter e crescer seus catálogos.
Seria muito mais inteligente criar um programa onde os criadores escolhidos teriam flexibilização do algoritmo para criar conteúdos melhores sem a penalização da baixa frequência. Ao mesmo tempo, ter acesso a um fair use para uso de imagens e música sem perder toda a sua receita.
O YouTube tem à mão centenas de milhares de criadores de altíssimo nível que já produzem conteúdo de graça, em um modelo onde a receita é compartilhada. Mas todos esses criadores passaram a ser obrigados a produzir uma quantidade insana de vídeos por mês, o que tornou as produções mais próximas do TikTok do que da Netflix.
O YouTube viabilizou o aparecimento de canais de alta qualidade em diversas categorias, como humor, história, educação e entretenimento em geral, mas trocou qualidade por quantidade porque podia fazer isso.
O problema se agrava ao implementar funções novas, como vídeos curtos.
Para combater o sucesso do novo entrante, as redes mudam seu algoritmo para adestrar seus criadores a usar a nova feature. Quem não faz é punido pelo algoritmo.
Agora, pense por um minuto. A partir do momento que o criador começar a produzir vídeos curtos para o YouTube, o que acha que ele irá fazer? Ele vai usar esses mesmos vídeos em outras redes, como Instagram e TikTok.
No empenho de não ficar para trás, o YouTube acaba incentivando seus criadores a levar seus conteúdos para seus concorrentes. O mesmo acontecerá com o Instagram, ao forçar todo mundo a fazer vídeo.
Para os criadores que buscam audiência, o TikTok é bem mais interessante, pois seu modelo de negócio (por enquanto) é o oposto do YouTube e Instagram.
O TikTok quer mostrar tudo para todo mundo. Ele entende o que o usuário gosta e mostra este tipo de conteúdo.
No YouTube, isso não acontece nem mesmo quando o usuário faz uma pesquisa no campo de busca.
O mais bizarro nisso tudo é que, com todos esses movimentos, o TikTok tem valorizado mais o conteúdo que o YouTube e Instagram, que cada vez mais fortalecem a cultura da celebridade.
Para o YouTube, passou a ser melhor ter três vídeos diários do Felipe Neto dando opinião sobre as notícias e fofocas do dia do que uma superprodução por mês do Felipe Castanhari.
No TikTok, com toda a superficialidade de um conteúdo de segundos, o que importa são os interesses.
Em seu livro “O Dilema da Inovação”, Clayton Christensen explicou porque mesmo empresas bem administradas perdiam a liderança quando uma ruptura tecnológica surgia. Sem inovar e apenas copiando o que aparece, Google e Facebook correm um sério risco de ir para o mesmo caminho.