A astrônoma brasileira Lia Medeiros, 31, sentiu um misto de orgulho e alívio ao ver divulgada a imagem mais nítida já registrada de um buraco negro supermassivo localizado no centro da Via Láctea. O registro inédito trata-se do Sagitário A*.
“Estamos trabalhando nisso há muito, muito tempo”, diz Lia em entrevista por telefone a Tilt. Ela é a única brasileira a fazer parte desse projeto. “No último ano e meio, praticamente todas as horas da minha vida foram focadas nisso. É um certo alívio finalmente poder divulgar esse resultado.”
A pesquisadora é membro do EHT (Event Horizon Telescope), colaboração internacional que revelou na última semana a imagem inédita do buraco negro. Atualmente, ela faz pós-doutorado no IAS (Instituto de Estudos Avançados, na sigla em inglês), em Nova Jersey, com bolsa da Fundação Nacional da Ciência dos EUA.
O orgulho, ela diz, vem da certeza de ter feito a escolha certa na carreira. “Mais de 100 anos de trabalho teórico prevendo uma imagem, e quando ela sai, é exatamente o que foi previsto. É incrível! Fico muito orgulhosa não só da nossa equipe, mas da humanidade toda. Ciência funciona!”
A participação da brasileira
Formado há seis anos, o EHT tem como objetivo estudar de perto dois buracos negros: o Sagitário A* e o M87, que fica no centro da galáxia Messier 87, a 500 quintilhões de quilômetros de distância da Terra — ou 53 milhões de anos-luz — e que foi “fotografado” em 2019.
Lia colabora com o EHT desde o início do projeto, e hoje é a mulher mais jovem a liderar um estudo (que envolve testes de física gravitacional do buraco negro) no órgão. O grupo é formado por mais de 300 cientistas e 60 instituições, entre laboratórios e universidades, espalhados por 20 países.
Esses colaboradores são divididos em grupos de estudo, cada um responsável por um aspecto dos buracos negros observados. Junto com a imagem da semana passada, o EHT publicou também seis artigos científicos que detalham as descobertas desses grupos em relação ao Sagitário A*.
Em resumo, o papel da brasileira foi o de testar previsões de Albert Einstein feitas em sua teoria da relatividade geral, publicada em 1915.
“Eu estou testando a teoria de Einstein no mesmo prédio em que ele trabalhou”, diz Lia, em referência ao seu laboratório no IAS, onde o físico alemão trabalhou nos seus últimos anos de vida, até falecer em 1955.
Einstein estava certo
Em sua teoria da relatividade geral, Einstein prevê com fórmulas matemáticas o comportamento da gravidade ao redor de um objeto de massa extrema —objeto que, anos mais tarde, cientistas identificariam como buracos negros.
Com o Sagitário A*, Lia testou essas fórmulas em condições extremas: observando um buraco negro supermassivo e bem longe do sistema solar.
A imagem registrada pelo EHT é tão nítida que permitiu à equipe da pesquisadora testar previsões feitas por Einstein com 500 vezes mais precisão do que estudos anteriores. Segundo Lia, todas as testadas foram “perfeitamente confirmadas”.
“Literalmente uma equação matemática previu a existência desse objeto, e 100 anos depois nós vimos a imagem desse objeto. E a imagem é exatamente o que a gente esperava. É incrível!”, acrescentou.
Pão de queijo e matemática
Embora tenha vivido em diversos países, acompanhando o pai, professor no curso de engenharia aeronáutica da Universidade de São Paulo (USP), Lia tem orgulho de suas raízes brasileiras. Quando o assunto é comida, não nega o amor pelo pão de queijo: “estou sempre comendo, em qualquer lugar do mundo”. Ela morou em Belo Horizonte (MG) por quatro anos.
Nesse vai e vem pelo mundo, Lia encontrou na ciência — e, mais precisamente, na matemática— uma rara sensação de constância. “A matemática é a mesma em todos os países.”
“Desde criança, a matemática me parecia uma verdade fundamental. Eu entendi que qualquer esforço que eu fizesse para entender matemática ia valer a pena para o resto da minha vida. Eu podia levá-la para qualquer lugar.” Lia Medeiros, pHd.
Além de permitir que entendamos melhor o universo ao nosso redor, para Lia, os avanços dos últimos dias apontam para um futuro ainda mais empolgante. O que faremos com essas descobertas? Só as próximas gerações saberão.
“Einstein não sabia que a relatividade geral permitiria a criação dos sistemas de GPS que usamos hoje”, diz. “Mas ele tinha a curiosidade de entender como a gravidade funciona. Estamos tentando responder perguntas que nunca foram respondidas antes. Fazemos isso por curiosidade, mas sabendo que os efeitos no dia a dia dos humanos podem ser incríveis, mesmo sendo difíceis de prever.”