Quais ocupações devem desaparecer no futuro no Brasil


Mais da metade das ocupações que existem hoje no Brasil podem desaparecer em cerca de duas décadas. Esta é a conclusão de pesquisadores brasileiros que usaram como base um modelo da Universidade de Oxford (Reino Unido) e adaptaram os cálculos para a realidade do mercado de trabalho do Brasil.

Eles calculam que 58,1% dos empregos no país podem desaparecer em cerca de vinte anos devido à automação, considerando as tecnologias já existentes. O estudo avança em relação a outros levantamentos ao incluir os postos de trabalho informal, além daqueles com carteira assinada.

O estudo conclui que trabalhadores no setor informal têm maior chance de ver seus empregos serem substituídos por máquinas do que aqueles com carteira assinada.

A pedido da BBC News Brasil, os pesquisadores vinculados à consultoria IDados e ao ISE Business School levantaram as dez ocupações com maiores chances de serem substituídas por máquinas, além das dez que estão menos “ameaçadas” pelos avanços tecnológicos.

Veja as listas e, em seguida, entenda o que essas ocupações têm em comum e como a previsão para o mercado brasileiro se compara com resultados em outros países.

10 ocupações com maiores probabilidades de automação

  • Operadores de entrada de dados (digitador) – 99%
  • Profissionais de nível médio de direito e afins (assistente) – 99%
  • Agentes de seguros – 99%
  • Operadores de máquinas para fabricar equipamentos fotográficos – 99%
  • Vendedores por telefone – 99%
  • Despachantes aduaneiros – 99%
  • Contabilistas e guarda livros – 98%
  • Secretários jurídicos – 98%
  • Condutores de automóveis, táxis e caminhonetes – 98%
  • Balconistas e vendedores de lojas – 98%

10 ocupações com menores probabilidades de automação

  • Dietistas e nutricionistas – 0.4%
  • Gerentes de hotéis – 0.4%
  • Especialistas em métodos pedagógicos – 0.4%
  • Médicos especialistas – 0.4%
  • Médicos gerais – 0.4%
  • Fonoaudiólogos e logopedistas – 0.5%
  • Trabalhadores do sexo – 0.6%
  • Dirigentes de serviços de bem estar social – 0.7%
  • Psicólogos – 0.7%
  • Dirigentes de serviços de educação – 0.7%

Fonte: ISE Business School e Consultoria IDados

O que essas profissões têm em comum?

As ocupações com maior probabilidade de automação “são muito bem definidas, são coisas que você pode especificar com muita precisão o que tem que ser feito e que não precisam de muito juízo, de muita subjetividade humana para tomar uma decisão”, explica o diretor-presidente da consultoria IDados e professor da ISE Business School, Paulo Rocha e Oliveira, um dos autores do artigo.

Por outro lado, as profissões com menor chance de substituição são aquelas com “muita interação e muita subjetividade humana”, que envolvem “saber lidar com pessoas e resolver situações onde as emoções são muito predominantes”, resume Rocha e Oliveira.

O economista Bruno Ottoni, pesquisador do IDados e do Ibre/FGV e um dos autores do artigo, acrescenta que, além das habilidades socioemocionais, outros dois fatores-chave ajudam a entender se um trabalho está mais ou menos suscetível. Um trabalho com grande exigência de criatividade/originalidade está mais protegido, assim como ocupações que exigem habilidades motoras finas ou são realizadas em ambientes pouco estruturados.

Este último ponto explica, segundo Ottoni, porque trabalhos como de jardineiro e empregada doméstica não estão muito ameaçados pela tecnologia no curto prazo.

“Esses são trabalhos que, apesar de serem, em geral, executados por pessoas com menor grau de qualificação, eles exigem habilidade motora fina e exigem que o trabalhador saiba navegar num ambiente de trabalho muito pouco estruturado – por isso, também estão protegidos, porque a máquina não consegue substituir. Ainda não tem aquela coisa do humanóide, um robô com perna e braço e que vai realmente operar como um ser humano.”

Os critérios usados por eles estão baseados nas probabilidades de automação calculadas pelos pesquisadores Carl Benedikt Frey e Michael Osborne, da Universidade de Oxford – aos quais Rocha e Oliveira se refere como “as maiores autoridades mundiais sobre o assunto”. O trabalho deles foi focado no mercado de trabalho dos Estados Unidos, conforme a BBC News Brasil noticiou em 2014.

Países vizinhos

E como a taxa brasileira de empregos que correm risco de desaparecer se compara a outros países? A proporção brasileira de cerca de 58% está pouco abaixo de taxas encontradas em outras pesquisas para países da América do Sul, como Uruguai (63%), Paraguai (63,7%) e Argentina (64,6%).

“Não apenas o Brasil, mas nossos vizinhos aqui têm que olhar para esse tema com atenção”, diz Ottoni.

Na Europa, estão entre as taxas mais baixas a Suécia e o Reino Unido (47% em ambos) e Irlanda e Holanda (49% em ambos). Mas também há países com probabilidades próximas às do Brasil, como Portugal (59%) e Croácia (58%), segundo dados apresentados no artigo.

Os pesquisadores apontam que a proporção de empregos que podem ser automatizados tende a ser maior nos países em desenvolvimento do que nos desenvolvidos, devido à alta proporção de ocupações que exigem pouca qualificação e que são mais facilmente substituídas por máquinas.

Trabalho informal versus formal

No Brasil, até 62% dos empregos informais do país podem desaparecer nas próximas duas décadas, por causa da automação, enquanto a probabilidade é de 55% para os empregos formais, segundo os pesquisadores.

E quem são as pessoas que costumam ocupar os empregos sob maior risco de automação? “Em geral, estamos falando de pessoas com menos escolaridade. E, geralmente, o menor grau de escolaridade está relacionado também a algumas populações mais vulneráveis – o negro em vez do branco, e pessoas das regiões mais pobres do Brasil, Nordeste, Norte”, diz Ottoni.

‘Barreiras’ para o uso de novas tecnologias

Rocha e Oliveira defende que, mais do que pensar em profissões que vão sumir, como um todo, é necessário focar em quais atividades feitas por esses profissionais podem ser feitas por máquinas. Ele diz que é a natureza do trabalho que vai mudar, ao exigir que humanos se concentrem em tarefas que os computadores não podem fazer, como já vem ocorrendo.

“Quando a gente fala que o emprego vai desaparecer, o que a gente está dizendo é que muitas das tarefas que as pessoas hoje desempenham naquele emprego poderão ser substituídas por computadores. Isso quer dizer que as pessoas vão ser substituídas por computadores? Umas sim, outras não.”

Ele também aponta que o fato de existir tecnologia disponível para substituir tarefas hoje produzidas por seres humanos não significa que ela necessariamente será aplicada por todas as empresas.

O consultor lista ao menos três fatores que podem ser considerados barreiras para as empresas: dificuldades de importação de alguns equipamentos por empresas brasileiras; necessidade de treinamento de funcionários para usar a nova tecnologia de forma eficiente; e a competitividade de cada área.

“Se nenhum dos meus competidores for fazer esse investimento hoje, talvez não me convenha fazer. Isso pode levar alguns setores a atrasarem a adoção dessas tecnologias ou, eventualmente, até não adotarem”, diz Rocha e Oliveira, que coordena a criação de um centro do ISE Business School e da consultoria iDados para estudar questões de automação e produtividade nas empresas brasileiras.

‘Apagão de mão de obra’?

Os pesquisadores argumentam, no artigo, que os resultados encontrados não devem criar “pânico”, mas funcionar como “alerta”, ao indicar que novas tecnologias são tecnicamente capazes de substituir grande parte dos empregos brasileiros. Apontam que é “por meio de políticas efetivas” que o Brasil pode “aliviar, ou até mesmo evitar, a perda maciça de empregos devido à automação, nas próximas décadas”.

Ottoni diz que “a sociedade como um todo” deve se preparar para lidar com esse cenário – e cita governo, empresas, terceiro setor, academia e o próprio trabalhador. “Para todos os agentes que mencionei, a gente vai não vai ter como escapar de políticas de retreinamento de mão de obra.”

Especialista em mercado de trabalho, ele diz que as novas tecnologias levarão, ao mesmo tempo, a uma destruição de empregos, mas também à criação de novas vagas. O problema, diz o economista, é que haverá um descasamento entre esses tipos de vagas.

Se não houver profissionais retreinados, diz ele, podemos ter um cenário em que haverá muita vaga de emprego aberta, mas sem ser preenchida – ao mesmo tempo em que haverá muitos desempregados sem conseguir recolocação.

“As próprias empresas, se não se preocuparem em treinar, serão as mais afetadas pelo que a gente pode chamar de apagão de mão de obra”, diz Ottoni.

– Texto originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62223093

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