A guerra do streaming está esquentando. Em março, a Disney adiou a data de lançamento de série “Obi-Wan Kenobi” para 27 de maio, visando coincidir com o lançamento da principal série da Netflix, “Stranger Things“. Isso após o anúncio pela Google de que o “YouTube Shorts” igualou os 1,5 bilhão de assinantes do TikTok no formato de vídeos de curta duração.
Diante da concorrência cada vez maior, queda do número de assinantes e perda de conteúdo, a Netflix e o TikTok precisam diversificar. E para isso estão recorrendo aos games. Com mais de três bilhões de jogadores em todo o mundo e um mercado estimado em US$ 200 bilhões, a indústria de games é tanto popular quanto lucrativa.
A Netflix lançou no ano passado o serviço de games móveis para todos seus assinantes. Entre eles estavam dois games ligados a “Stranger Things”. Enquanto isso, o TikTok tem oferecido games para usuários seletos desde 2019 e muito provavelmente expandirá essa oferta.
Mantendo os atuais assinantes
Tanto a Netflix quanto o TikTok transformaram o setor de entretenimento.
À primeira vista, ambas parecem diametralmente opostas. A primeira ganha receita por meio de assinaturas, gastando milhões de dólares em licenciamento ou criação de conteúdo. A segunda ganha dinheiro encaminhando seu público aos anunciantes, com a ajuda de “influenciadores” de streaming, que dominaram a arte do vídeo de curta duração.
Mas as duas plataformas compartilham algumas características fundamentais. Ambas:
- fornecem conteúdo de vídeo via internet
- buscam um crescimento constante de sua base de usuários
- beneficiam-se de conteúdo exclusivo e original
- coletam dados dos usuários e o utilizam para melhorar seus serviços
- enfrentam concorrência considerável e crescente de outras empresas e da mídia de entretenimento.
Muitas séries de televisão e filmes adorados estão saindo da Netflix e migrando para plataformas concorrentes. Ao mesmo tempo, o TikTok também está perdendo influenciadores de vídeo para outras plataformas. As duas empresas estão buscando novas estratégias para conteúdo original, manutenção e crescimento de assinantes.
É aí que entram os games. Segundo um relatório de hábitos do consumidor, 79% da população online do mundo jogam games. E entre a geração do milênio os games são a mais popular ou a segundo mais popular atividade de entretenimento, atrás de assistir em plataformas de vídeo outras pessoas jogando games.
Por que os games são um espaço atrativo?
Games geralmente envolvem períodos de engajamento mais longos do que séries e filmes. Isso se deve aos princípios psicológicos de motivação por trás da atividade de jogar.
Pessoas que investem seu tempo em games com frequência buscam uma narrativa adicional (ou “folclore”) na forma de séries e filmes. Por sua vez, o público que dedica seu tempo a séries também procura nos videogames por narrativas alternativas e oportunidades de construção de mundos. Assim, as séries levam os clientes aos games e os games os mantêm engajados no intervalo entre as temporadas.
Esta técnica de contar uma história por múltiplas plataformas é conhecida como “narrativa transmídia” e é usada com grande sucesso por empresas de teledifusão, redes sociais e games. É nisso que as plataformas estão apostando para reter o público em seus ecossistemas de entretenimento.
A criação de conteúdo passou por um “boom” desde o início da pandemia e o público mais jovem está passando mais tempo do que nunca assistindo online conteúdo gerado por usuários. Ele está particularmente ligado a games como “Crab Game” (uma versão criada por fã da popular série “Round 6” da Netflix), que também conta com milhões de horas de visualização no serviço de streaming Twitch.
A ascensão do “Minecraft” como popular “modding game” (no qual os jogadores podem transformar coletivamente o game por meio de suas próprias modificações) também ajudou os serviços de streaming de vídeo e assinatura. Vídeos relacionados ao “Minecraft” já foram assistidos mais de um trilhão de vezes no YouTube.
O sucesso da narrativa transmídia proporciona oportunidades adicionais para empresas que buscam explorar seu conteúdo licenciado ou original.
Propriedade intelectual e análise de dados
Nós sabemos que os games proporcionam atenção, motivação, emoção e socialização entre os jogadores.
Empresas como a plataforma de games STEAM demonstraram que os dados dos usuários podem influenciar a criação de novo conteúdo por parte dos desenvolvedores de games. De fato, esta é uma vantagem de mercado que a Netflix e o TikTok possuem sobre seus concorrentes.
Por exemplo, é possível facilmente imaginar que um personagem que é popular em um game, como revelado pelos dados dos jogadores, teria maior probabilidade de aparecer em uma futura série baseada naquele jogo.
Netflix e TikTok podem perder muito
Quando falamos da guerra de streaming e da maior concorrência, não se trata de um campo de jogo nivelado. Há diferenças cruciais entre a Netflix, TikTok e outros concorrentes, como Disney+, Amazon Prime, Apple TV e YouTube.
A Netflix é uma empresa de streaming e o TikTok é uma empresa de hospedagem de vídeos. Por sua vez, com base na receita, a Disney é uma empresa de parques temáticos e brinquedos, a Amazon é uma empresa de vendas online, a Apple é uma empresa de computação e telefones, a Google uma de busca e publicidade.
Para essas empresas, streaming e hospedagem de vídeos é um pequeno negócio paralelo que proporciona dados úteis para alimentação de uma máquina maior. Logo, na guerra do streaming, elas não têm muito a perder, já que podem tocar esses negócios mesmo que deem prejuízo.
O mesmo não vale para a Netflix e o TikTok. Ao recorrerem aos games, elas estão se agarrando a uma corda salva-vidas que realmente necessitam.
Autores:
- James Birt é professor associado de Games de Computador e reitor Associado de Engajamento, Universidade Bond.
- Darren Paul Fisher é professor assistente, diretor de direção do Departamento de Cinema, Vídeo e Mídia Criativa, Universidade Bond.
Os autores não trabalham, prestam consultoria, possuem participação acionária ou recebem fundos de quaisquer empresas ou organizações que se beneficiariam com este artigo e declaram não ter qualquer filiação relevante além de sua função acadêmica.