A Organização das Nações Unidas (ONU) começou neste mês os preparativos para discutir a criação do primeiro tratado global para combater a poluição causada pelo plástico. O assunto provocou uma série de debates entre autoridades de diversos países após a avaliação do plástico como uma ameaça ao meio ambiente, com a formulação de uma estratégia global de combate até 2024.
A política pública internacional deve afetar todos os parceiros da ONU — e com o Brasil não será diferente. Na prática, isso significa muito trabalho pela frente: o país é quarto maior produtor de lixo plástico no mundo, atrás somente dos Estados Unidos, China e Índia.
Porém, além do excesso de resíduos gerados pela população brasileira, outro grande problema é a baixa taxa de reciclagem desse lixo. Agora, a indústria e a ciência precisam correr atrás de novos métodos para resolver esta questão antes que o impacto seja irreversível.
O tamanho do problema
Dados da WWF Brasil apontam que, só em 2019, foram geradas um total de 11,3 milhões de toneladas de plástico. Deste volume, apenas 145 mil toneladas de resíduos são recicladas em território nacional, num reaproveitamento de apenas 1,3%. Com isso, o país se encontra muito abaixo da média global de reciclagem plástica, que é de 9%.
Todos os anos, mais de 380 milhões de toneladas de plástico são produzidas em todo o mundo. Porém, apenas 16% dos resíduos são reciclados para reaproveitamento — a maioria, 40%, é enviada para aterros sanitários, 25% para incineração e 19% acabam descartados no meio ambiente.
Mesmo o plástico sendo um material reciclável, o processo não é tão simples e eficiente quanto se gostaria: muitas vezes, o resultado da reciclagem não é tão durável quanto o produto original. Como resultado, reaproveitar os resíduos não é benéfico para a indústria, e os descartáveis acabam queimados, depositados em aterros ou flutuando nos oceanos.
A ciência resolve?
Neste cenário de mudanças ecológicas, a indústria precisa que novas soluções químicas para melhorar o processo de aproveitamento. E um processo recente, a reciclagem química, surge como tentativa de reciclar o que não é reciclável.
Pesquisadores da indústria química vêm trabalhando para conceber novas reações que podem quebrar plásticos em moléculas que podem ser reutilizadas. Susannah Scott, da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, recentemente teve sucesso fazendo isso com poliolefinas, uma classe de plástico que inclui polietileno.
A pesquisadora desenvolveu uma técnica que usa um catalisador para quebrar esses plásticos em moléculas menores sem ter que usar quantidades excessivas de calor. Com isso, moléculas menores podem ser reaproveitadas em detergentes, tintas ou produtos farmacêuticos.
Além disso, os pesquisadores estão começando a inventar plásticos que podem ser reciclados infinitamente ou que se decompõem em materiais que nutrem o solo. A ideia é projetar novos plásticos e planejar desde o início o que acontecerá com eles depois que chegarem ao fim de sua vida útil, para melhorar o processo de reciclagem.
Um exemplo é o plástico desenvolvido por Ting Xu, na Universidade da Califórnia, que adicionou pequenas cápsulas contendo enzimas ao plástico. Com isso, o material pode ser processado, aquecido e esticado paraoutros objetos. Porém, quando a vida útil acabar, basta mergulhar o material em água morna por uma semana ou mais, que irá liberar as enzimas, quebrando o plástico em pequenas moléculas.
Uma equipe de cientistas do Berkeley Lab, laboratório parte do Departamento de Energia dos Estados Unidos, desenvolveu um outro método que pode facilitar o processo de reciclagem. Em um estudo publicado no periódico científico Nature, eles descrevem um novo tipo de plástico que pode ser quebrado até o nível molecular para criar novo plástico, sem perder qualidade.
“A maioria dos plásticos nunca é reciclado”, diz Peter Christensen, um dos autores do estudo, em um comunicado compartilhado no site do laboratório. “Mas descobrimos uma nova maneira de produzir os plásticos, pensando na reciclagem com uma perspectiva molecular.”
O novo material que essa equipe de pesquisadores produziu, batizado de “polydiketoenamine” (PDK) pode tornar este processo de reciclagem mais fácil e prático. Isso porque é necessário apenas usar ácido para separar os aditivos químicos dos monômeros, possibilitando a criação de um novo plástico com a mesma integridade do produto original.
Os cientistas esperam que esse novo material possa substituir plásticos não recicláveis, como os usados em sapatos e capinhas de celular, por exemplo.
Porém, ainda há um longo caminho a percorrer: por enquanto, o PDK só existe no laboratório. O próximo desafio para a equipe é tornar o plástico mais sustentável, incorporando a ele materiais vegetais.
Por que o plástico é difícil de se reciclar?
A solução química dos plásticos é composta por polímeros, longas cadeias de moléculas ligadas por fortes ligações químicas. Cortar essas ligações químicas, para retornar aos pequenos blocos de construção molecular, geralmente é um processo químico complicado. Por isso, podem ser difíceis de degradar ou reciclar alguns tipos de resíduo.
O método tradicional de produção de plásticos envolve a adição de produtos químicos aos monômeros, mas essas substâncias são difíceis de serem removidas no processo de reciclagem. Pequenos pedaços de plástico com diferentes composições químicas são misturados, e é difícil saber qual tipo de plástico vai resultar do processo de reciclagem. Muitas vezes, o plástico resultante não é tão durável quanto o original.
Alguns casos, como o tereftalato de polietileno (PET), usado em garrafas plásticas, tem certo sucesso no tratamento dos principais plásticos que usamos. Ele pode simplesmente ser triturado e remodelado em garrafas frescas, sem nenhum aditivo.
O problema da garrafa PET, na verdade, é outro: a grande parte do plástico que poderia ser reciclado vai parar em aterros sanitários. Muitas vezes, isso se deve à confusão sobre o que pode ou não ser reciclado e à contaminação com alimentos ou outros tipos de resíduos.
Outros plásticos, como sacos de salada e outros recipientes de comida, vão parar no aterro porque são feitos de uma combinação de diferentes polímeros que não podem ser facilmente separados em uma usina de reciclagem. O lixo jogado na rua e os plásticos leves deixados em aterros sanitários ou despejados ilegalmente podem ser levados pelo vento ou arrastados pela chuva para os rios, acabando no oceano.
A situação se agrava ainda mais com produtos não-recicláveis. Um exemplo é com o cloreto de polivinila (PVC), onipresente em janelas com vidros duplos e muito mais.
“O PVC é um pesadelo absoluto”, diz o químico Anthony Ryan da Universidade de Sheffield, Reino Unido. Não há nenhuma maneira conhecida de reciclá-lo e, mesmo que o fizesse, acabaria com cloreto de vinila, um composto tóxico que pode aumentar o risco de câncer.
Solução ainda engatinha
Apesar das promessas da reciclagem química, é possível que o novo processo ainda precise de ajustes.
Segundo a ONG Conselho de Defesa dos Recursos Naturais (NRDC, em inglês), grande parte das fábricas que aplicam a reciclagem química estão, na verdade, “maquiando” o processo. No estudo, estas empresas estariam queimando os resíduos plásticos para gerar combustível e, neste processo, liberando toxinas para a atmosfera.
E mesmo com todas essas soluções, com a capacidade de “desfazer” todos os tipos de plástico para que possam ser reutilizados novamente, é improvável que todos os problemas destes resíduos desapareçam. Enquanto continuar parando em aterros sanitários e no meio ambiente, o plástico seguirá cumprindo a missão para o qual foi criado: durar.