A novela sobre a compra do Twitter pelo bilionário Elon Musk ganhou mais um capítulo com a realização da primeira audiência do processo que analisa a recusa do empresário em fechar o negócio.
Só para lembrar: Musk inicialmente anunciou sua intenção de compra da empresa pelo valor de US$ 44 bilhões. Depois de formalizada a proposta, o empresário passou a alegar que o número de contas automatizadas na plataforma era superior ao informado e que a falha da empresa em confirmar esse dado teria levado à desistência de seguir adiante com o contrato.
O Twitter levou o caso ao Tribunal de Chancelaria de Delaware, nos Estados Unidos. A empresa procura forçar o empresário a honrar o acordo. Uma outra alternativa seria impor o pagamento de multa pela desistência, estimada no valor de US$ 1 bilhão.
O que podemos esperar nas cenas dos próximos capítulos? E quais personagens e elementos desse roteiro devem receber atenção nos próximos meses?
Tribunal antigo e juíza linha dura
Delaware pode até ser um pequeno estado norte-americano, mas a sua importância para os negócios é imensa, já que uma parte expressiva das empresas americanas é constituída de acordo com as leis do estado.
Isso acontece por causa de um regime societário e tributário atrativo, somado a processos menos burocráticos e a existência de tribunais acostumados a lidar com disputas empresariais.
Esse é o caso do Tribunal de Chancelaria de Delaware, criado em 1792.
As cortes de chancelaria como um todo fazem parte de uma longa tradição, que remonta à Inglaterra medieval, de flexibilizar o rigor das cortes tradicionais através de um juízo de equidade.
Esses tribunais surgiram a partir de um frequente descontentamento dos jurisdicionados com as competências e com as decisões dos Tribunais Reais, gerando petições diretas ao rei. Esse, por sua vez, passou a decidir esses casos através do seu chanceler (daí o nome das cortes) e usando como base para isso não o direito comum, mas sim o seu sentimento de Justiça e a equidade.
As atuais Cortes de Chancelaria bebem dessa fonte, embora suas práticas, formas de composição e de decisão tenham naturalmente mudado.
A juíza que preside o caso, Kathleen McCormick, tem experiência em decidir litígios empresariais como o que envolve Musk e Twitter.
Seu histórico, inclusive, não favorece o bilionário, já que a magistrada tende a ser linha dura com compradores que resolvem desistir de acordos sem um motivo justo.
Primeira audiência e a vitória do Twitter
Nessa primeira audiência o que estava em jogo era a data do julgamento. O Twitter estava de olho em um processo rápido, que pudesse ser decidido em setembro. Musk, por sua vez, queria empurrar o julgamento para 2023, alegando a necessidade de ampla produção de provas.
A empresa argumentou na audiência que o julgamento não poderia tardar porque o comportamento de Musk colocaria em risco o valor da empresa a cada dia, lançando suspeitas sobre questões como o número de contas automatizadas. Musk alegou, por sua vez, que precisaria preparar vários depoimentos e produzir provas complexas sobre essa questão.
Esse argumento sobre o número de robôs existentes no Twitter, na verdade, nem deveria ajudar o empresário, já que foi o próprio Musk que, ao anunciar a sua intenção de compra, indicou que dentre seus objetivos com o negócio estava caçar os robôs e as contas automatizadas que enviam spam.
Parece até contraditório, no caso, querer desistir de um acordo por causa de uma das razões que motivou o próprio negócio.
A magistrada concordou com os argumentos do Twitter, mas ao invés de setembro acabou marcando o julgamento para outubro. Ele deve acontecer ao longo de cinco dias e certamente vai receber muita atenção dentro e fora das redes.
O perde-perde da espera e um emoji controvertido
O que vai acontecer agora? Nada impede que as partes formalizem um acordo e decidam por um reajuste de valor ou o pagamento de uma compensação, mas tudo indica até agora que o processo seguirá adiante rumo ao julgamento em outubro.
O que pode fazer com que as peças se movam é uma sensação, com implicações financeiras, de perde-perde para ambas as partes.
A empresa perde com a manutenção das atenções sobre o caso até outubro porque dá visibilidade à questão das contas automatizadas e sua real extensão.
O número de usuários ativos é uma medida importante para avaliar o valor de empresas de mídias sociais. Quanto mais se suspeita que o volume de usuários robôs é maior do que o estimado, mais isso afeta a sua precificação.
Do lado de Elon Musk, as repercussões do caso são predominante negativas. Fica a impressão de que o bilionário entrou em um negócio vultuoso por mero impulso, sem realizar as devidas auditorias antes de apresentar sua proposta de compra.
O comportamento pouco cuidadoso é ainda acentuado com as interações públicas mantidas por Musk com a diretoria do Twitter na plataforma.
Em uma discussão sobre a métrica de contas automatizadas o empresário respondeu à mensagem do diretor da plataforma com um emoji de cocô. Essa imagem, é claro, foi juntada nos autos do processo e não favorece em nada os argumentos de Musk.
O bilionário pode ter milhares de súditos e ser o rei dos memes, mas não parece ser assim que ele vai prosperar no tribunal dos chanceleres.