Com estreia no Brasil na última quinta-feira (26), “Top Gun: Maverick” é a aguardada sequência do filme de 1986 que catapultou a carreira do ator Tom Cruise. E um dos destaques do novo longa é que as cenas gravadas a bordo dos caças F/A-18 Super Hornet são reais. Ou seja: as tomadas que mostram os rostos dos atores foram feitas com eles, de fato, dentro dos aviões.
Os aviões tinham dois assentos, de forma que os atores não eram os responsáveis pela pilotagem. No entanto, eles foram submetidos a outro desafio: lidar com a chamada “Força G” durante acelerações, reduções de velocidade e manobras que, em casos extremos, pode causar sérios problemas.
Apesar do nome fazer referência à força da gravidade, a chamada Força G não tem uma relação direta com a força exercida pelo planeta Terra sobre tudo que o cerca.
“Não há relação direta entre a Força G e a gravidade. É apenas uma maneira de medir uma aceleração utilizando como comparação a aceleração que um objeto experimenta quando cai perto da superfície da Terra. Esse valor é aproximadamente de 9,81 metros por segundo vezes segundo [segundo ao quadrado]. Então, a cada segundo que passa, a velocidade desse objeto aumenta 9,8 metros por segundo, algo em torno de 35 km/h”, explica Roberto Baginski, coordenador do departamento de Física da FEI.
Ou seja: a tal da Força G sentida em acelerações apenas utiliza a gravidade da Terra como referencial para ser medida.
Basta acelerar
Os caças usados nas filmagens de Top Gun: Maverick (ou amesmo carros esportivos e de corrida) conseguem produzir acelerações muito bruscas. E, por aceleração, não nos referimos apenas a arrancadas para a frente com o intuito de ganhar velocidade, mas também durante curvas (ou seja, lateralmente) ou em reduções de velocidade.
“Para alterar a velocidade ou a direção de movimento de um veículo, é preciso que uma força atue sobre o veículo. A ação desta força produz uma aceleração que, em contextos como automobilismo ou aviação, é chamada de Força G”, diz Baginski.
Essa força sempre se manifesta no sentido oposto ao do movimento. Quando um avião faz uma curva fechada em alta velocidade para a esquerda, as pessoas que estão dentro dele sentem como se um peso as empurrasse para a direita. Se o avião fizer um loop em alta velocidade, no ponto mais alto da trajetória seus ocupantes terão a sensação de uma grande força as empurrando para cima.
A ação dessa força muda nossa percepção de peso e, em situações mais extremas, faz com que a gente se sinta “esmagado”.
Mas você não precisa entrar em um avião de caça ou, ainda, em um carro de Fórmula 1 para sentir a tal Força G. Ela também é perceptível em situações bem triviais.
“Quando você acorda, para sair da cama você precisa exercer uma força de 1 G para se levantar. Isso porque a força-peso do seu corpo é o resultado do produto da sua massa, por exemplo, 70 kg, pela aceleração da gravidade [9,81 m/s2]. Então para você se levantar da cama diariamente, ou para subir uma escada, por exemplo, você precisa produzir uma força de aproximadamente 686 newtons”, explica Joseph Youssif Saab Junior, professor do curso de engenharia mecânica do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT).
Outro exemplo é quando você está dirigindo um carro, está parado em um cruzamento e o semáforo fica verde. Ao engatar a primeira marcha e acelerar, mesmo que com moderação, você vai sentir o seu corpo ser pressionado contra o banco – quanto mais agressiva for a aceleração, mais forte será essa sensação.
Risco para o corpo
Nosso corpo foi “programado” para viver em uma situação na qual estamos constantemente submetidos à aceleração gerada pela gravidade da Terra. Ou seja, a uma força de “1 G”.
Quando recebemos uma força superior a essa medida, quem mais sente é o sistema circulatório. Imagine um avião voando em velocidade constante, alinhado ao horizonte, e que de repente inicia uma curva para cima. A tendência é que nosso sangue se acumule na parte de baixo do corpo, já que há uma força agindo “de cima para baixo”.
Para compensar essa alteração na circulação, o coração acelera. Se a força exercida pela mudança de direção for leve, é muito provável que que ele dê conta do recado. Mas, em casos mais extremos, o coração não consegue estabilizar a circulação — e a irrigação do cérebro diminui. Aí começa o problema.
Se essa situação se mantiver, um dos primeiros sintomas é a perda gradual da visão, já que os olhos também serão menos irrigados por sangue. Depois, pode haver perda de consciência.
Se o movimento for ao contrário (o avião “mergulhar” rumo ao solo), a visão ficará avermelhada e, novamente, há o risco de perda de consciência, já que o sangue não consegue fluir de volta.
Para contornar isso, pilotos de aviões de caça utilizam um traje especial. Afinal, em manobras mais extremas, esses aviões conseguem produzir uma força próxima dos 8 G.
“Esses trajes comprimem as pernas dos tripulantes quando o acelerômetro da aeronave detecta manobras que geram Forças G altas. Isso auxilia a circulação de sangue na cabeça e evita que ele desmaie”, diz Saab Junior.
Para se ter uma ideia, em uma manobra próxima dos 8 G, o ocupante de um avião que tenha 70 kg sentiria uma força equivalente ao peso de um objeto de 560 kg pressionando o seu corpo no sentido oposto.
A resistência a esse tipo de força depende muito do condicionamento físico da pessoa, o que explica a necessidade de pilotos de aviões de caça – e também de carros de corrida – terem o físico em dia.
No caso das filmagens de “Top Gun: Maverick”, além de um treinamento básico para saber o que fazer (e o que não fazer) dentro de um avião, os atores passaram por um intenso regime de exercícios de condicionamento e força.