Moradora de Belford Roxo, na baixada fluminense (RJ), a carioca Natalia de Jesus França, 34 anos, decidiu mudar de carreira em meio à pandemia. Formada em administração de empresas, trabalhou por 15 anos com marketing, mas decidiu migrar para TI (Tecnologia da Informação) e hoje atua com análise de dados em uma empresa de tecnologia.
A “virada de chave” ocorreu durante um mochilão de seis meses pela América do Norte. Nele, conheceu outras pessoas que viajavam e trabalhavam remotamente e percebeu que também poderia ter aquele estilo de vida.
“A pandemia mostrou que o trabalho remoto pode ser uma possibilidade em muitos campos. Mas, ali, pra mim, percebi que a tecnologia seria a área que permitiria romper a barreira do presencial e trabalhar de onde eu estivesse”, afirma.
De volta ao Brasil, já no início da pandemia, ela começou a fazer capacitações remotamente, em habilidades como linguagem Python e Power BI.
“Na raça”
“Fui aprendendo na marra, sozinha, pesquisando perfis do LinkedIn. Vi qual o perfil das pessoas que atuavam na área e quais eram as ferramentas solicitadas nas vagas”, explica.
Aos poucos, depois de colocar em prática o que aprendeu, começou a trabalhar com análise de dados em uma empresa de desenvolvimentos de software para cadeias de varejo.
“Além de ser um trabalho superinovador, dá mais oportunidade para eu conciliar com a minha vida. Sempre quis trabalhar com isso, só que dentro da área comercial”, ressalta.
Para Natalia, a inexperiência no setor de tecnologia não foi um problema. “Acredito que minha experiência, mesmo mais focada em marketing, acabaria também agregando a uma empresa de tech que desenvolve soluções em inteligência artificial”, avalia.
A escolha pelo trabalho remoto também fez Natalia ter mais tempo no seu dia-a-dia, já que antes ficava horas em deslocamento. Por dois anos morou em São Paulo, mas, com o avanço da pandemia, retornou à baixada fluminense, que também exigia grandes distâncias à empresa.
“Sou referência onde moro”
Natália entende que a área da TI possibilita que ocorra uma transição de carreira como a dela, sem precisar iniciar novamente um ensino superior ou uma formação muito distante da realidade.
“Onde eu moro eu sou referência para muita gente. Sou vista de forma diferente. No meu bairro, não conheço ninguém que trabalhe com tecnologia”, diz.
Ela ressalta também que o mercado está longe de ficar saturado e que há muitas oportunidades para pessoas que, assim como ela, desejam “pivotar” a carreira.
“[Não cursar] uma faculdade de tecnologia pode não ser um limitador. Ter uma especialização já abre portas para um bom emprego e uma boa remuneração”, pontua.
Racismo no trabalho
Natalia ressalta que já sofreu com muitas questões de racismo em entrevistas de emprego e no dia a dia. Para ela, os problemas estruturais são muito grandes e na área de tecnologia não seria diferente.
“[O mercado] ainda é majoritariamente masculino e branco. Estamos vendo uma mudança. Dores que antes eram silenciadas, agora falamos abertamente. Hoje, conseguimos nos expressar”, ressalta.
Ela chegou a ouvir “conselhos” de profissionais de RH para passar prancha para alisar seu cabelo.
“Meu cabelo é crespo e era um impeditivo. Uma mulher preta e periférica tem dificuldade em ser ouvida e de ter suas opiniões consideradas. É um problema que a gente tem que lidar. Precisamos nos provar três vezes mais do que qualquer pessoa branca”, opina.
Aos poucos, ela acredita que essa realidade possa mudar, até mesmo dentro do mercado tecnológico. Atualmente, ela também atua no núcleo de inclusão e diversidade da empresa.