Metaverso, NFT e inteligência artificial são os assuntos mais sexy do universo da tecnologia —pelo menos neste momento. Além de disputar a atenção de investidores, estão avivando algumas perguntas filosóficas: o que é real? O que é a realidade?
São questionamentos antigos na filosofia, mas que agora ganham um tempero da inovação tecnológica. Qual a diferença entre uma cadeira no nosso mundo físico para uma cadeira no metaverso? Alguém pode argumentar que uma é feita de átomos enquanto a outra, de bits. A materialidade é diferente.
Mas o que diferencia o NFT de uma obra de arte de sua cópia digital? Neste caso, a materialidade é a mesma: bits.
E o que diferencia a nossa experiência no mundo físico de um ambiente digital imersivo como o metaverso? Será que já não estamos vivendo em uma simulação?
Eu voltei a esse assunto porque recentemente li o novo livro de David Chalmers, um dos grandes filósofos da mente. Na obra “Reality+”, ele faz um passeio pelas grandes ideais da filosofia e utiliza a tecnologia de realidade virtual e metaverso para apresentar novas perspectivas para questões bem estabelecidas. É impossível começar a leitura e não se questionar sobre o que as tecnologias emergentes podem causar.
Neste texto, eu pretendo apresentar algumas das ideais principais, mas antes disso vou introduzir o assunto contando uma pequena anedota milenar.
O mestre taoísta Chuang-Tzu, depois de caminhar muito durante um dia ensolarado, deitou-se debaixo de uma árvore e caiu em um sono profundo. Sonhou que era uma borboleta, passeando pelos campos por onde havia acabado de passar.
Ao acordar, ele disse para si mesmo:
“Estou diante do problema filosófico mais complicado da minha vida. Quem sou eu? Sou um homem que sonhou que era uma borboleta? Ou sou uma borboleta sonhando que se transformou em um homem?”
Chuang-Tzu não pôde ter a certeza de que a vida que estava experienciando era real. Como poderia provar que era um humano que tinha sonhado com a borboleta e não o contrário?
Com o crescimento exponencial das tecnologias digitais, antigos questionamentos podem ser substituídos por novos. O sonho agora dá lugar a possibilidade de estarmos em um universo simulado.
Uns dias atrás eu perguntei para uma sala cheia de alunos da graduação como poderiam me provar que não estavam em uma simulação. A turma se manteve em silêncio por alguns segundos. Depois alguns estudantes começaram a apresentar argumentos, os quais não tive muita dificuldade em refutar.
Eu estava trabalhando com a “hipótese da simulação”, que propõe que vivemos em uma simulação e que não temos como saber disso.
Se eu pedir para você me provar que não está em uma simulação, você pode achar que tem muitas evidências para isso. Eu tendo a achar que não. Alguns autores, como o próprio Chalmers, acham que isso seria até mesmo impossível.
Sabe por quê? Porque qualquer evidência que você apresente —seja uma árvore, um vírus ou até um sistema caótico— pode ser perfeitamente resultado da própria simulação. Uma simulação muito bem produzida. Sem contar o fato de que porque nascemos dentro dessa simulação não teríamos como saber a diferença entre uma árvore digital e uma física —nem se existira uma versão física.
O filósofo Nick Bostrom, de Oxford, ganhou notoriedade ao propor um artigo famoso sobre o tema. Ele apresentou um argumento estatístico para a simulação, na qual a humanidade se desenvolveu tanto que as tecnologias à disposição poderiam criar diversos universos simulados.
A ideia é mais ou menos assim: as pessoas poderiam criar vários universos com muitas inteligências artificiais conscientes dentro deles. Dado que a quantidade de universos simulados seria enorme, e, consequentemente, a quantidade de pessoas simuladas seria ainda maior, então o mais provável seria estarmos entre os simulados do que entre os programadores.
Em outras palavras, a probabilidade de estarmos dentro de uma simulação torna-se bastante razoável.
Mas tudo isso faz diferença para o que somos?
Penso que não. A minha experiência de estar nesse mundo —simulado ou não— é real. Eu me sinto consciente e sinto o mundo. E, para Chalmers, o fato de estarmos em uma simulação não significaria que a realidade não exista, ela apenas seria feita de informação. Uma espécie diferente da realidade, mas ainda assim real.
O mesmo acontece com o metaverso.
A hipótese da simulação é uma posição filosófica e infalsificável. Não é uma hipótese científica, a qual podemos testá-la para tentar refutá-la. No entanto, ela não deixa de ser coerente —e, para muitos, até aterrorizante.
Eu gosto de pensar sobre a hipótese da simulação porque nos incentiva a refletir sobre a natureza da realidade e como nos relacionaremos com os universos digitais que criaremos muito em breve. O que será moralmente certo e errado no metaverso? Como deveremos nos comportar?
Se entendermos o metaverso como uma realidade genuína —apenas um pouco diferente—, talvez as respostas sejam distintas de quando o julgamos como uma realidade de segunda ordem.
De qualquer forma, desafios filosóficos, éticos e de governança serão centrais nos universos simulados que, desta vez, nós que criaremos.
* Diogo Cortiz é cientista cognitivo, futurista e criador de conteúdo. Professor na PUC-SP. Doutor em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, com PhD fellowship pela Université Paris I – Sorbonne. Especialista em Neurociência. Fez estágio pós-doc em realidade virtual na Universidade de Salamanca – Espanha. Foi professor visitante no laboratório de Ciência Cognitiva da Queen Mary University of London (Reino Unido). Trabalha com pesquisas na intersecção entre Design, IA e Ciência Cognitiva.