Depois de movimentar US$ 40 bilhões em 2021, segundo dados do grupo Messari, especializado em criptomoedas, os NFTs agora podem revolucionar mais um segmento: a indústria fonográfica. Especificamente, o pagamento de royalties – valor repassado ao artista ou compositor quando sua canção é executada comercialmente.
Como as transações com NFT são registradas em um banco de dados descentralizado do tipo blockchain, ele pode servir como um livro de registros contábil e virtual. Isso facilitaria o controle de quantas vezes uma música foi tocada e, portanto, quanto deve ser pago em royalties sobre ela.
Ao menos, essa é a aposta de Carlos Gayotto, que criou a empresa TuneTraders com a árdua missão de “desembolar” esse sistema de pagamentos, notoriamente complexo e polêmico no Brasil.
“O NFT nada mais é do que um tipo de contrato”, afirma Gayotto. “Com o blockchain, cada transação fica salva no sistema, e o artista teria maior facilidade para rastrear o que ocorre com os royalties da sua criação.”
R$ 58 mil para Zeca Baleiro
“O nosso papel passou a ser criar lastro nos royalties para os NFTs”, afirma o empresário.
O outro eixo central do seu modelo de negócio é estimular o público a investir no mercado fonográfico. Qualquer pessoa pode ser dona de um pedacinho de uma música, convertida em token não fungível.
É uma negociação que pode ser benéfica para o investidor (que recebe parte dos dividendos dos royalties) e para o artista (que fatura com a “venda” desses trechos).
A música “O Tempo Não Espera”, de Zeca Baleiro, por exemplo, foi vendida em NFTs de R$ 100 no ano passado. Também era possível comprar mais de um trecho. No final, a iniciativa levantou mais de R$ 58 mil para o compositor.
“Bolsa de valores de royalties”
A chegada dos NFTs vem alterar ainda mais o panorama da indústria fonográfica, que já viu sua dinâmica mudar radicalmente com a ascensão das plataformas de streaming, como Spotify e Deezer.
Antigamente, a gravadora tinha um papel central na popularização do artista – e no fluxo de seus royalties. Se ela gostasse de alguma música dele, pagava um adiantamento. Em troca, ficava com parte dos royalties que a canção poderia gerar, a partir da venda de disco de vinil, fitas cassete, CDs e DVDs.
Com o streaming, isso mudou. Ficou mais fácil para artistas se manterem donos do próprio catálogo e acessar diretamente seu público. Porém, o pagamento dessas plataformas aos músicos ainda é motivo de muita polêmica. Muitos profissionais consideram os critérios da remuneração injustos e pouco claros.
Para Daniel Campello, chefe-executivo da ORB Music, empresa de gestão do direito autoral, o mercado de royalties é muito fechado. “As gravadoras e editoras compõem mais ou menos 70% do mercado. Está tudo nas mãos das mesmas empresas”, avalia.
Segundo ele, as grandes gravadoras têm suas próprias editoras para cuidar dos direitos autorais. Assim, elas ficam com porcentagens tanto do que se paga aos artistas quanto do que é destinado aos compositores.
Para Gayotto, o uso do NFT é um caminho para equilibrar a balança. Por isso, acredita que, em pouco tempo, os catálogos que hoje funcionam em streaming serão colocados no blockchain, de forma a registrar toda e qualquer execução de uma música.
Quando isso acontecer, sua empresa será como uma espécie de “bolsa de valores de royalties”, avalia.
Vai desafinar?
Campello duvida que o formato funcione no Brasil, especialmente pela falta de estrutura e organização para se compreender qual é o real volume de royalties que cada canção gera para artistas e compositores.
“O cenário autoral é dificílimo, bem diferente do de outros países”, diz. “Para um autor lançar uma música em NFTs, em vez de trocá-la por um adiantamento, seria necessário uma garantia de que esses royalties de fato chegariam até ele. Numa carteira digital, por exemplo.”
Mesmo no exterior, ainda há problemas: o Reino Unido busca uma solução legislativa para que royalties sejam pagos aos criadores da forma mais precisa possível pelas plataformas de streaming.
Outra preocupação de Campello é com a rentabilidade dos NFTs musicais. Diferentemente de outros tokens do tipo, que podem ser comercializados apenas para atestar a posse de uma imagem ou vídeo na internet, por exemplo, a ideia ao vender royalties é que haja um retorno financeiro mais imediato.
“Não sou contra os NFTs, de forma alguma. Mas acho que a discussão precisa se aprofundar muito mais na cadeia de royalties. Quem está comprando catálogos vislumbra receber esse dinheiro. Vislumbra potencializar essas receitas”, conclui.