Elon Musk revela impotência psíquica


Certa vez os discípulos se acercaram de Jesus e lhe perguntaram por que ele falava por meio de parábolas ao que ele lhes respondeu:

“Porque a vós foi dado o conhecimento dos mistérios do Reino dos Céus, mas a eles não é dado. Pois à pessoa que tem, será dado ainda mais, e terá em abundância; mas à pessoa que não tem, será tirado até o pouco que tem. É por isso que eu lhes falo em parábolas: porque olhando, eles não veem, e ouvindo, eles não escutam, nem compreendem.” [1]

Uma atualização possível em homenagem a esta sabedoria bíblica, para nossos dias, poderia ser chamada de lei de Matheus. Ela reza que, ainda que jamais poderemos entender os desígnios dos nossos algoritmos, ainda assim eles determinarão o destino das pessoas, negócios e nações.

O mundo digital fala por meio de parábolas, ou seja, demanda interpretações, que podem levar qualquer youtuber à experiência mística da loucura tentando entender o que este Outro quer de mim.

Há sim exegetas, fariseus, hermeneutas e especialistas na interpretação do código semidivino. Há ainda pessoas que podem interferir pessoal e diretamente na elaboração, visibilidade e transparência destes referidos códigos.

Mas como será o processo seletivo para entrar no grupo dos escolhidos que não se contentarão apenas com parábolas e algoritmos?

Sabemos que nos tempos de Jesus a seleção não era fácil. Seguidas mudanças de endereço, jantares tensos regados a pão e vinho, colaboração no design de negócios do milagre pesqueiro, da ressurreição do setor de saúde, sem falar no paradigmático case study do ramo do entretenimento, conhecido como Bodas de Caná.

A carreira é de alto risco, sempre acossado pelo compliance do direito romano e perseguições violentas da concorrência externa.

Era preciso muito talento e persistência, às vezes anos como expatriado, em Roma ou em Corinto, para ter acesso direto à diretoria. Dizem que no começo só doze conseguiram. E um deles saiu porque queria montar sua própria startup, mas acabou se enforcando, como tantos que tentam montar a própria empresa.

Um turnover [2] realmente baixo, se compararmos com a demanda dos stakeholders [3] e com o branding [4] alcançado.

Uma versão 1.0 da lei de Matheus diria que: “para aquele que muito tem, mais lhe será dado; já para os que pouco têm, mesmo este pouco lhe será tirado”.

A parábola parece nos levar a um paradoxo. Mas parábolas como algoritmos precisam ser decifradas. O que é isso, afinal, que quanto mais temos mais teremos e quanto menos temos, menos ainda receberemos?

Uma reposta clássica, ainda em vigor para muitos hoje em dia é: fé.

Mas há leituras alternativas.

Outros dizem que é fama, a concorrência diz que é poder, mas a hipótese mais abrangente, que parece reunir todas as anteriores é: capital.

Isso nos leva ao estranho caso do senhor Elon Musk, bilionário sul-africano, nascido em uma família difícil, com um percurso de vida que recapitula os grandes inventores e magnatas do século 19 e depois gente com Henry Ford e Jack Welch,

Musk investe na ida para o espaço, no carro elétrico, em causas ecológicas e agora compra o Twitter. O percurso não é novo. Ótimas ideias, implantadas por uma pessoa muito poderosa, disposta a mudar o mundo, mas também a competir infantilmente com seu odioso colega da quinta série que tem mais carrinhos do que ele, no caso Jeff Bezos.

Pessoas com muito dinheiro começam a procurar novas fronteiras para colonizar, como as expedições geográficas do século 19, do tipo Shackleton, Scott ou Amundsen para o Pólo Sul, ou Stanley e Livingstone para a foz do rio Zambesi.

Eles também procuram adquirir bens cujo valor é de difícil tangibilidade, como Paul Guetty, Guggenheim, Paul Allen e François Pinauld (dono da casa de leilões Christie´s) e tantos outros colecionadores de obras de arte.

No fundo, não e simples ser bilionário pois torna-se uma tarefa diária justificar subjetivamente sua riqueza e patrimônio. Daí tanto as benéficas práticas de filantropia, mas também a busca por signos que agreguem solidez e justeza ao valor da personalidade de seu proprietário, tornando o reconhecimento mais real e verdadeiro ainda.

Por isso o mundo tornou-se apreensivo com as declarações que cercaram a aquisição do Twitter por Musk:

“Liberdade de expressão é a base do funcionamento da democracia, e o Twitter é a praça de discussão digital, onde são debatidos os assuntos vitais para o futuro da humanidade.”

Muitos daqueles que pertencem ao seleto clube das 12 maiores fortunas do mundo experimentam o que podemos chamar de paradoxo do poder, ou seja, eles imaginam que seu percurso de aquisição e conquista lhes faculta um domínio completo sobre todas as partes do processo.

Mas isso não é bem verdade.

O mais rico dos mortais vai ter que esperar o metrô ou ônibus chegar (se quiser andar de ônibus ou metrô naquele dia e hora), enfrentará decadência da saúde ou será contrariado no amor. Claro, no dia seguinte ele poderá comprar a companhia de trens, o hospital com os melhores médicos ou formar uma cadeia internacional de bordéis, pode até mesmo adquirir uma ilha para seviciar adolescentes em série, como Jeffrey Epstein.

Quando o poder esquenta, segundo a lei de Matheus, ele também cria mais impotência e intolerância com os processos que, aliás, produziram o próprio poder.

O tempo do mundo, das coisas e das pessoas torna-se intolerável. Cada segundo perdido torna-se uma terrível experiência de contrariedade e produz uma amarga sensação de que quanto mais poder, menos poder.

Esse é o caso Elon Musk. Como aquele presidente-master-maioral que é tomado por um ataque de cólera porque não consegue mandar direito no serviço de café e compra uma fazenda de café.

Isso acontece porque o pequeno poder resiste, mas também porque a cadeia de comando não deve ser rompida, porque há hierarquias de autoridade, há limitações jurídicas, há limitações morais. Tudo isso opõe a lei de Matheus ao paradoxo do teorema de Musk onde o aumento do poder real gera também maior impotência psíquica.

Chegamos assim na ideia de que a democracia como um processo dependente do tempo da palavra, da liberdade de expressão e dos meios pelos quais ela se veicula.

Logo, parece óbvio que aqueles que possuem muito poder queiram exercer mais poder controlando as regras do jogo.

Nossa insatisfação com a aplicação prática do conceito de democracia, é que ela é lenta, confusa, cheia de regras limitantes e institucionalidades opacas.

É assim que surge a tentação de que se o poder fosse mais transparente, tipo encarnado em uma pessoa, tudo isso seria resolvido, de tal forma que os problemas seriam resolvidos direta e pessoalmente por meio da concentração de poder em alguém muito poderoso: falta liberdade, abram as torneiras da liberdade (mas seu eu mudar de ideia fecho elas de novo).

Isso nos leva ao curioso fato de que o mero anúncio da compra do Twitter gerou um efeito mundial de crescimento das contas, assim chamadas “de direita”, ganharam em torno de 50 mil inscritos, enquanto as contas de “esquerda”, como as de Barack Obama, perderam algo em torno de 15 mil inscritos.

Quanto mais, mais; quanto menos, menos. Ainda que isso se deva à inflação de bots, a própria intervenção deste artifício nos ajuda a entender como o conceito de democracia pode ser afetado pelas práticas em estilo empresarial.

Ou seja, a nossa representação da democracia afeta nosso engajamento em processos e práticas “democráticas”, que por sua vez podem torná-los efetivamente menos democráticos.

O conceito de democracia, tal como a representam indivíduos muito ricos ou poderosos, pode se traduzir em práticas que em nome da expansão da democracia a customizam e a retraem, de tal forma que a lei de Matheus (quanto mais, mais) pode ser contrariada pelo teorema de Musk (quanto mais, menos).

Como diria o velho Isaías:

“Havereis de ouvir, sem nada entender. Havereis de olhar, sem nada ver. Porque o coração deste povo se tornou insensível. Eles ouviram com má vontade e fecharam seus olhos, para não ver com os olhos, nem ouvir com os ouvidos, nem compreender com o coração, de modo que se convertam e eu os cure.” [5]

REFERÊNCIAS

[1] Mateus, 13, 10-17

[2] O turnover é a taxa de rotatividade de funcionários, que mede o número de funcionários que saem de uma organização durante um período de tempo especificado (normalmente um ano).

[3] Conceito criado na década de 1980, pelo filósofo norte-americano Robert Edward Freeman, o stakeholder é qualquer indivíduo ou organização que, de alguma forma, é impactado pelas ações de uma determinada empresa. Em uma tradução livre para o português, o termo significa parte interessada.

[4] Trabalho de construção e fortalecimento de marcas no mercado.

[5] Isaías 6:10.



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