Efeito Matilda: o esquecimento que oculta o trabalho de mulheres cientistas – 04/05/2022


A morte recente da médica francesa Marthe Gautier, co-descobridora do cromossomo responsável pela síndrome de Down, traz de volta à mesa o debate sobre o “esquecimento” sofrido pelas mulheres cientistas.

O papel de Marthe Gautier só foi reconhecido na década de 2010, apesar de seu trabalho ao lado de seus colegas homens, os professores Jérôme Lejeune e Raymond Turpin.

Seu sobrenome, mal ortografado, apareceu em segundo plano nas assinaturas do artigo científico que causou sensação em 1959, ao explicar a origem cromossômica da síndrome.

Um comitê de ética científica restabeleceu o nome da cientista em 1994, reconhecendo que “o papel de Jérôme Lejeune (…) foi provavelmente pouco preponderante” na gênese da descoberta.

Seu caso lembra o da britânica Rosalind Franklin, química que identificou a estrutura de dupla hélice do DNA. O Prêmio Nobel de Medicina de 1962, no entanto, foi concedido a três homens por essa descoberta.

A astrofísica britânica Jocelyn Bell descobriu o primeiro pulsar em 1967. Mas o Prêmio Nobel foi para seu diretor de tese, sem que seu nome aparecesse em qualquer lugar.

“Efeito Matilda”

Uma historiadora da ciência, Margaret Rossiter, chegou a publicar uma teoria sobre essa discriminação no início dos anos 1990, seguindo o trabalho do sociólogo Robert King Merton.

Segundo Rossiter, o apagamento sofrido pelos colaboradores de grandes personalidades científicas cresce quando se trata de assistentes do sexo feminino.

O “efeito Matilda”, batizado em homenagem a uma ativista feminista, Matilda Joslyn Gage, explora esse fenômeno que torna as mulheres invisíveis na ciência.

“No século XIX, as mulheres na Europa eram praticamente excluídas do mundo da ciência em nome de sua suposta inferioridade natural”, explicou à AFP Louis-Pascal Jacquemond, historiador especializado em mulheres e ciência.

Essa situação perdurou por décadas no século XX. É o caso da esposa de Albert Einstein, a física Mileva Maric.

O nome de Marie Curie geralmente aparece ao lado do nome de seu marido.

Foi o conhecido “teto de vidro” que por muito tempo impediu as mulheres de acessar cargos de decisão ou renome científico, apesar de ” políticas de democratização da educação após a Segunda Guerra Mundial, que aumentaram o número de jovens e mulheres na ciência”, explica Jacquemond.

Mesmo em pleno século XXI, “as mulheres científicas de alto nível ainda são consideradas casos excepcionais”, lamenta este especialista.

“Durante muito tempo, o papel da mulher foi percebido como subordinado, auxiliar”, acrescenta Sylvaine Turck-Chièze, física.

Nos livros escolares, os nomes das mulheres não são mencionados com a frequência que deveriam, lamenta Natalie Pigeard-Micault, especialista em história da medicina e das mulheres.

“Dá a impressão de que a pesquisa científica é limitada a um punhado de mulheres”, acrescenta.



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