Neste domingo, 15 de maio de 2022, acontece um eclipse lunar total visível em todo o território nacional. O fenômeno, na verdade, começa no domingo e entra pela madrugada de segunda-feira, 16 de maio.
O fenômeno terá mais de cinco horas e vai das 22h32 do domingo até as 3h51 de segunda-feira (horário de Brasília). A totalidade, fase em que a Lua Cheia fica avermelhada (veja explicações detalhadas abaixo), vai de 00h28 até 01h54.
Vamos observar? (Torcendo desde já para céu limpo!). Antes, que tal entender em detalhes o que é um eclipse lunar total? Veja o texto a seguir.
Entendendo um eclipse lunar total
I) Um “capricho” geométrico
Eclipses solares e lunares ocorrem quando há alinhamento entre o Sol, a Terra e a Lua, um verdadeiro capricho geométrico. E alinhamento de três corpos (a rigor dos seus centros) pode parecer algo fácil de acontecer. Mas na prática não é bem assim. Dois pontos, você sabe, sempre podem ser unidos por uma única reta. Mas um terceiro ponto, para estar na mesma reta que já contém os dois pontos anteriores, tem que estar no mesmo plano que contém tal reta e, obviamente, sobre a reta. Consegue visualizar a ideia?
A ilustração a seguir, que mostra uma caixa em forma de paralelepípedo e que contém três pontos (a rigor três esferas), sendo um laranja, outro azul e um terceiro violeta, vai ajudar bastante no raciocínio.
Olhando para a figura acima, você diria que os três pontos (laranja, azul e violeta) estão alinhados? Observe com atenção. E pense bem antes de responder.
Se você olhar por cima da caixa, numa direção perpendicular à face superior, dirá que sim, os pontos estão alinhados. Mas, se olhar de lado, vai dizer que os pontos azul e violeta estão alinhados e, estranhamente, o ponto laranja parece ter sumido! E, se olhar de frente para a caixa, vai descobrir que o ponto violeta está no mesmo plano vertical dos outros dois pontos, mas não está no mesmo plano horizontal. Logo, não está alinhado com os outros dois!
Nos eclipses o problema geométrico é mais ou menos o mesmo pois os três astros (Sol, Terra e Lua) devem estar perfeitamente alinhados, de qualquer lugar que se olhe. Mas, como o plano da órbita da Terra ao redor do Sol não coincide com o plano da órbita da Lua ao redor da Terra, tudo fica mais complicado pois só haverá alinhamento real (ou quase) dos três astros quando eles estiverem contidos numa direção que corresponde à intersecção dos planos das órbitas da Terra ao redor do Sol e da Lua ao redor da Terra. Podemos até achar que Sol/Terra/Lua estão alinhados dependendo do ponto de observação. Mas o alinhamento perfeito (ou aproximado) somente ocorre nessa direção preferencial conhecida como Linha dos Nodos.
Complicadinho, né? Mas uma vez apelo para o desenho! Confira a ideia logo abaixo. Essa ilustração, como outras nesse texto, está, de propósito, fora de escala.
Se as órbitas da Terra ao redor do Sol e da Lua ao redor da Terra estivessem num mesmo plano, teríamos eclipse solares (com a Lua obstruindo o Sol) e lunares (com a Terra obstruindo a luz que ilumina a Lua) a cada 14 dias aproximadamente e eclipses seriam fenômenos corriqueiros. Mas a sutil inclinação de 5,2 graus entre os planos orbitais citados e acima representados na ilustração tornam os eclipses fenômenos bem mais raros e que só podem ocorrer na Linha dos Nodos.
II) Jogo de luz e sombra: um “capricho” óptico
O Sol, o grande farol do Sistema Solar, ilumina todos os outros astros do sistema. E atrás dos astros iluminados pela luz solar forma-se um cone de sombra também chamado de umbra. Na verdade, sendo mais detalhista e cientificamente correto, como o Sol não é um ponto e sim uma esfera extensa, atrás do astro opaco iluminado deverá se formar além da sombra também uma região de penumbra.
Para melhor entender essa ideia, apelamos novamente para uma ilustração, propositalmente fora de escala. Note que o astro iluminado pelo Sol é e atrás do qual se formará sombra (ou umbra) e penumbra é a Terra.
Note que destaquei os raios de luz que partem de pontos extremos opostos do Sol e tangenciam pontos extremos opostos da Terra. A Terra foi tratada como uma esfera opaca que não pode ser atravessada pela luz. Dessa maneira, formam-se atrás da Terra duas regiões distintas:
- Um cone de sombra, também conhecido como umbra, onde não deveria haver luz alguma.
- Uma região de “meia luz”, parcialmente iluminada pelo Sol, chamada de penumbra.
Agora pense: a Lua Cheia, orbitando ao Terra (linha tracejada verde na ilustração abaixo), vai atravessar a penumbra e depois penetrar na umbra dentro da qual ficará por um tempo. Em seguida, gradativamente sairá da umbra e vai passar pela penumbra do lado oposto ao da umbra. O que podemos esperar no aspecto observável da Lua Cheia ao passar por estas três regiões?
É de se esperar que, ao penetrar na penumbra da Terra, a Lua Cheia fique menos brilhante pois estará recebendo menos luz do Sol. É exatamente o que acontece, embora não seja tão fácil de se observar sem instrumentos capazes de aferir a intensidade da luz solar refletida pela Lua Cheia.
Mas, na medida em que a Lua Cheia vai penetrando na umbra da Terra, o esperado é que ela fique com um aspecto de “mordida” escura que aumenta gradativamente até desaparecer por completo quando totalmente mergulhada no cone de umbra da Terra, o ápice do eclipse total.
Mas não é exatamente isso que vai acontecer pois temos aqui um outro capricho cósmico. A Lua vai sendo “mordida” pela umbra da Terra mas não desaparece por completo na totalidade do eclipse. Confira logo abaixo.
III) A Terra não é apenas uma esfera opaca: outro “capricho” da natureza
A Terra é uma esfera com boa aproximação. E é opaca. Mas não é apenas isso. Ela possui uma fina camada gasosa semitransparente que a envolve e que conhecemos como atmosfera. A atmosfera refrata a luz branca solar composta por todas as cores visíveis, do vermelho ao violeta. Essa luz, refratada, sofre um desvio e por isso um pouco de luz vai penetrar na região que deveria ser totalmente sem luz, ou seja, na umbra. E, como os raios tangenciam a atmosfera, acabam percorrendo um caminho mais longo do que quando incidem perpendicularmente a ela. Por este caminho, a luz vai sendo espalhada e absorvida.
E por ser um caminho mais longo, sobram somente os tons avermelhados e alaranjados do espectro luminoso solar. É essa luz vermelha-alaranjada que vai “tingir” a região do cone de umbra nestes tons mais quentes. A umbra, portanto, deixa de ser, ao pé da letra, uma sombra verdadeira pois passa a conter uma luz tênue vermelho-alaranjada. E é por isso que a Lua Cheia não desaparece enquanto estiver dentro do cone de umbra da Terra.
Ao contrário do que poderíamos imaginar, na totalidade do eclipse A Lua Cheia deve ficar com uma cor avermelhada, um tom parecido com tijolo molhado e que dependendo das condições da poluição atmosférica local.
É justamente essa sutileza óptica que será responsável pelo que alguns gostam de chamar de “Lua de Sangue”! Mas não tem nada de sangue. Há sim iluminação seletiva, em tons de vermelho-alaranjado, graças à refração e ao espalhamento e absorção da luz branca solar na atmosfera. Mais um lindo capricho da natureza e que torna os eclipses lunares ainda mais instigantes.
Confira abaixo montagem com imagens que capturei do eclipse lunar de 21 de dezembro de 2010, do início até a totalidade. O restante do fenômeno, nesta data, não pode ser observado daqui do Brasil porque já era final de madrugada e o Sol nasceu. Mas o eclipse lunar deste domingo poderá ser visto integralmente daqui do Brasil.
Pela sequência das minhas imagens você pode ter uma ideia da evolução temporal do aspecto visual da Lua Cheia ao longo do eclipse.
Cronologia do Eclipse Lunar Total de 16 de maio de 2022
O infográfico acima, que fiz com dados dos astrônomos Paulo G. Varella e Regina A. Atulim, mostra a evolução temporal do eclipse lunar deste domingo e vai ajudar você nas observações. Confira os principais momentos:
- 22h32: início do fenômeno, quando a Lua Cheia começa a entrar na penumbra da Terra;
- 23h27: a Lua Cheia estará totalmente dentro da penumbra da Terra;
- 00h28: início da totalidade, quando a Lua Cheia estará totalmente dentro do cone de umbra da Terra e ficará bem avermelhada;
- 01h11: meio do eclipse, ainda na totalidade;
- 01h54: a Lua Cheia começa a sair da umbra da Terra;
- 02h55: a Lua Cheia deixa por completo da umbra da Terra;
- 03h51: fim do fenômeno, quando a Lua Cheia sai da penumbra da Terra.
Vou tentar observar e fotografar o fenômeno. Posto possíveis astrofotos em tempo real nas minhas redes sociais (@dulcidio no Twitter, e @prof_dulcidio no Instagram) e, quem sabe, aqui mesmo no Física na veia ao longo da segunda-feira.
Boas observações. Abraço do prof. Dulcidio! E Física (e Astronomia) na veia!