Em 2020, 172 pessoas desapareceram por dia, em média, no território brasileiro. Essas quase 200 pessoas que sumiam cotidianamente eram crianças, adultos, homens, mulheres, não-bináries, de diferentes etnias e de todas as regiões do país. E apesar do índice ser assustador, 2020 foi o ano com menor número de desaparecidos na última década segundo o Anuário de Segurança Pública 14 — uma queda ainda a ser explicada.
Na busca por reduzir esse número e ampliar o de encontrados, ONGs vêm investindo em novas tecnologias. O cruzamento de redes sociais com bancos de dados públicos e outras informações de livre acesso online tendem a aumentar seu potencial com a instauração de ferramentas menos conhecidas ou de difícil acesso ao público, como aplicativos de reconhecimento facial e exames de DNA de startups que rastreiam genealogia mundial.
Reconhecimento facial
Criada em 1996, a ONG paulistana Mães da Sé consegue resolver 20% dos casos que recebem usando uma ferramenta bem prosaica: redes sociais como Facebook e Instagram.
Agora, um novo aplicativo deve mudar esse cenário. O Family Faces, desenvolvido pela Multiconnect em parceria com a Microsoft, promete reconhecer facialmente qualquer pessoa cadastrada, independente da idade e das mudanças no rosto.
Diferentemente de outras tecnologias de reconhecimento facial, ele não utiliza bancos de informações sobre etnia, gênero e raça, e sim uma métrica mais universal: o cálculo da distância entre 27 pontos do seu rosto. Segundo, Luiz Vianna, fundador da Multiconnect, essas distâncias se mantêm pelo resto da vida, da infância à velhice – portanto, seria especialmente útil no desaparecimento de crianças que agora já são adultas.
Vianna conta um teste que fez para o presidente da Microsoft, Brad Smith. Cadastrou no banco de dados a foto antiga de uma funcionária da Multiconnect, de quando ela tinha 14 anos, como se ela tivesse desaparecido nessa idade. “Aí tiramos uma foto dela agora, com 45 anos. O app imediatamente encontrou no banco de dados o caso que tínhamos cadastrado e identificou que elas poderiam ser a mesma pessoa”, explica.
O app poderia solucionar, por exemplo, o caso de Ivanise Esperidião da Silva, fundadora do Mães da Sé, hoje com 60 anos. Desde 1995, ela procura a filha adolescente, Fabiana, que desapareceu no bairo de Pirituba, em São Paulo, onde elas moravam.
Seu luto virou luta: fundou a ONG e encontrou em Vianna um grande aliado, que já doou dinheiro e equipamentos para a organização.
Quando ele soube, em 2017, que a Microsoft havia lançado uma iniciativa mundial chamada A.I. for Good (“Inteligência Artificial para o Bem”), percebeu que era sua chance de colaborar também com sua expertise. A big tech entrou com a tecnologia; a Multiconnect, com a mão de obra; e as Mães da Sé, com o banco de dados.
Quem não colaborou foi o Estado. Por causa da burocracia, ainda não foi possível integrar o Family Faces às redes de hospitais e delegacias de polícia. Então, não pode guardar as imagens em bancos de dados, por causa de questões ligadas à segurança de identidade. Atualmente, quando um rosto detectado pelo app é tido como um potencial desaparecido já cadastrado, um sinal é enviado à Ivanise, que procura a família e as autoridades.
Apesar do entrave, nada disso tem custo para a ONG e, se depender de Luiz, nunca terá.
Teste de DNA
Em cinco anos, a ONG Busca Brasil já localizou quase 5.500 pessoas desaparecidas, geralmente usando métodos mais tradicionais de investigação. Afinal, essa é a especialidade de seu fundador, Jairo Mascen, que fez carreira como detetive particular.
Agora, quando encontra um adulto que pode ter sido uma criança desaparecida muitos anos atrás, não saca mais o celular ou uma câmera: ele puxa do bolso um kit de teste de DNA de ancestralidade do laboratório Genera.
“Esse kitzinho contém um cotonete para colher a saliva da pessoa. Essa saliva vai para uma plataforma e lá é analisado os dados brutos da pessoa. Eles medem uma porcentagem do DNA e comparam com o da mãe, pai, avó, enfim, pra ver se existe o parentesco”, explica ele.
O kit custa R$ 299,99, mas parte do valor é custeado por emissoras de televisão com quem ele mantém parcerias. Se o caso render, é divulgado em uma reportagem exclusiva.
Rede social
Tal como as Mães da Sé, a Associação de Apoio e Busca por Desaparecidos também recorre bastante ao Facebook. Em seus três anos de existência, a ONG já resolveu 4.112 casos.
Mas as redes sociais têm seus problemas – como trolls e estelionatários. “Sempre tentamos controlar quem entra nos grupos para não expor as famílias. Mas é muito difícil manter esse controle”, desabafa o fundador, Clóvis Antônio Marques.
Marques afirma que já tem a solução: uma plataforma própria, que ampliará o alcance do banco de dados de desaparecidos e diminuirá a importunação das famílias envolvidas.
Marques diz que já tem tudo planejado, mas o projeto ainda está em fase de desenvolvimento. Não há uma previsão de lançamento.