Recentemente, os Estados Unidos e a Rússia retomaram os planos de cooperar outra vez em operações espaciais envolvendo a Estação Espacial Internacional (em inglês International Space Station ou apenas ISS).
Após tensões envolvendo a guerra na Ucrânia e sanções políticas para enfraquecer a economia de Moscou, ambos os países voltaram a negociar envios de astronautas e cosmonautas em conjunto.
No entanto, você já pensou como o “estacionamento” destas naves ocorre na estação? É muito mais do que apenas observar o espelho retrovisor e girar o volante: o acoplamento de objetos espaciais requer cálculos extremamente complexos, feitos tanto por equipes de cientistas quanto por computadores especialmente programados para acoplamentos em gravidade mínima.
Além disso, a “baliza espacial” precisa de propulsores muito bem calibrados e, claro, uma imensa afinidade com as leis da física.
Estacionamento difícil
A ISS é uma estrutura de 400 toneladas que está na órbita da Terra, cheia de laboratórios e mantida por diversos países — e naves e foguetes que viajam até lá.
Além de ser gigantesca, ela está viajando na órbita da Terra a uma velocidade superior a 20 mil km/h. Por isso, a nave que vai acoplar-se à ISS deve também atingir essa velocidade, e mantê-la constante.
Quando uma nave cheia de equipamentos e suprimentos, por exemplo, viaja até o espaço a fim de acoplar-se à ISS, a primeira coisa a se fazer é alinhá-la à órbita da Estação Espacial. Ou seja, computadores calculam a distância atual da ISS em relação à Terra e enviam a nave exatamente para a mesma distância.
Tanto a ISS quanto a nave ou foguete devem se movimentar na mesma direção. Nada de uma ir de encontro à outra. Isso poderia provocar um acidente que colocaria tudo a perder – inclusive a vida dos tripulantes a bordo da Estação.
Propulsores localizados em partes estratégicas do exterior da nave espacial fazem todo o trabalho para que ela se alinhe na mesma direção da ISS e alcance a mesma velocidade de órbita.
Quando a nave chega bem perto, computadores localizados na Estação Espacial Internacional e em centros de comando na Terra começam a “conversar” entre si para ajustar a posição exata do acoplamento. É automático: computadores enviam comandos para ligar os propulsores e ajustar a posição em alguns centímetros. Se algo der errado, mãos humanas também podem enviar comandos, mas essa é uma operação muito rara.
Além disso, câmeras e lanternas que saem de braços mecânicos das naves e ficam do lado de fora ajudam os astronautas e a equipe em solo a checarem visualmente as posições das naves.
A hora H
Para que haja um acoplamento, é preciso que cada uma das duas naves tenha uma grande peça circular cheia de encaixes mecânicos e eletrônicos que se conectam perfeitamente.
Após se encaixarem, as duas naves começam a nivelar a pressão – se a despressurização de uma nave em relação à outra não ocorrer, elas podem explodir quando a porta (que fica no meio do círculo) se abrir.
Depois que a pressão é nivelada dentro das duas naves, as equipes abrem as portas que ficam no centro das duas peças circulares que acoplaram-se, e pronto: uma nave já está em conexão direta com a outra.
Manobra em terceira dimensão
Ao contrário de uma manobra de acoplamento convencional — como, por exemplo, entre dois carros — que ocorre em um espaço bidimensional, apoiados no solo, o encaixe entre aeronaves ocorre em um ambiente tridimensional.
Nele é necessário controlar simultaneamente seis parâmetros para cada uma das naves:
- Três deslocamentos em linha reta – para frente e para trás, esquerda e direita, para cima e baixo;
- Três rotações.
“Isto torna a operação infinitamente mais complexa que a feita no solo, mais ainda quando lembramos que ambas estão em órbita da Terra, seguindo as leis da física que rege este movimento”, ressalta o tecnologista do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e ex-diretor de Política Espacial e Investimentos Estratégicos da AEB (Agência Espacial Brasileira), Petrônio Noronha de Souza.
Macho ou fêmea?
Uma curiosidade histórica: em 1975, os Estados Unidos e a União Soviética desenvolveram em parceria o programa espacial Apollo-Soyuz. O objetivo era mostrar ao mundo que a corrida espacial — a disputa entre EUA e a então União Soviética pela supremacia tecnológica no espaço — era algo “do passado”.
Para selar as pazes, tiveram a ideia de acoplar uma nave espacial norte-americana em uma soviética, na órbita da Terra.
Durante as pesquisas, surgiu um impasse que quase levou os dois países a reaquecer a Guerra Fria: naquela época, o sistema de acoplamento era baseado em um encaixe simples, de “macho” e “fêmea” (a tomada elétrica da sua casa é um exemplo disso). Só que nenhuma das duas potências queria ser a fêmea.
A solução para acabar com o impasse? Criar um novo sistema de acoplamento hermafrodita — com encaixes machos e fêmeas. É esse o sistema usado até hoje — só que atualmente, com mecanismos eletrônicos e mecânicos muito mais modernos.
Ah, e a missão foi um sucesso: os astronautas soviéticos e norte-americanos trocaram presentes, abraços e sorrisos, em plena órbita da Terra.