Não faz muito tempo, nossas compras eram pagas com talões de cheque e a caderneta de poupança era literalmente um livro físico onde registrávamos os nossos valores poupados. De lá para cá, e de forma muito acelerada, quase tudo em nossa vida foi transformado pela revolução tecnológica. E não cometo nenhum exagero quando digo que ainda estamos sentindo o início do impacto da digitalização quando o assunto são as finanças; estamos reescrevendo o futuro do nosso dinheiro.
A digitalização do dinheiro é uma inovação presente no nosso cotidiano. Até pouco tempo, a inovação mais disruptiva aconteceu com o Pix, o chamado pagamento instantâneo brasileiro, que permite a transferência de recursos entre contas bancárias, em poucos segundos, a qualquer hora do dia e, em muitos casos, sem qualquer cobrança pelo serviço.
Criptomoedas: tendência forte no Brasil
Agora, a inovação da vez no mercado financeiro são as criptomoedas, um formato de dinheiro totalmente digital e que usa a criptografia para garantir a realização de transações. As criptomoedas não têm uma autoridade central de emissão ou regulação como um governo ou banco central. Em vez disso, usam um sistema descentralizado para registrar transações e emitir novas unidades, mantendo as mesmas finalidades do dinheiro físico.
Segundo o site Bitcoin.org, mantido pela comunidade ligada ao Bitcoin, as criptomoedas foram descritas pela primeira vez em 1998 por Wei Dai, que sugeriu usar a criptografia para controlar a emissão e as transações realizadas com um novo tipo de dinheiro. A solução dispensaria a necessidade da existência de uma autoridade central, como acontece com as moedas convencionais.
Mas foi somente há treze anos que se criou a primeira criptomoeda, a Bitcoin (BTC). De lá pra cá, segundo o CoinMarketCap, já surgiram mais de 10,8 mil tipos de moedas, com um valor de mercado que saltou de US$ 13 milhões de dólares, ao fim de 2016, para US$ 3 trilhões, em 2021. Isso sem mencionar o aumento da sua popularidade e do interesse de governos e grandes empresas por essa nova solução do mercado financeiro.
Alguns países já iniciaram importantes marcos regulatórios em seus territórios, como El Salvador, que adotou o Bitcoin como uma de suas moedas legais, permitindo seu uso até para o pagamento de um simples café. Já a Alemanha aprovou uma lei que permite que fundos de investimento possam alocar até 20% de seu patrimônio em Bitcoin e Ethereum, segunda cripto mais comercializada no mundo. Como resultado, é possível que até R$ 2 trilhões sejam injetados no país nessas moedas.
O Brasil está entre os cinco países do mundo com maior número de investidores em criptomoedas. São mais de 10 milhões de brasileiros, algo em torno de 5% da população, cifra que deixa o país atrás apenas de Índia, EUA, Rússia e Nigéria. Para se ter uma ideia, o número de investidores brasileiros em criptomoedas supera o mercado de ações brasileiro, que possui cerca de 4 milhões de participantes na B3.
Porém, em termos financeiros, o Brasil ainda representa uma pequena participação, de cerca de 2% do mercado mundial, que foi de US$ 3 trilhões, em 2021, segundo o Coinmarketcap, principal monitor global. Por aqui, a captação, segundo o site CoinTrader Monitor, foi de R$ 103,5 bilhões, um crescimento de 400% frente ao ano anterior. Vários sinais apontam que o ritmo de crescimento deve continuar acelerado em 2022.
O Projeto de Lei 2.303/15, que regula o setor de criptomoedas no Brasil, avançou na Câmara e está agora no Senado como Projeto de Lei 3825/19. Com a aprovação, acredita-se que os investidores terão mais segurança e maior controle sobre os prestadores de serviços de cripto.
Stablecoins: Banco Central está de olho
Outra tendência fundamental é a das stablecoins. Esse tipo de moeda digital, emitida pelas autoridades monetárias de cada país, se iguala às moedas fiduciárias ao possuir lastros em ativos mais estáveis —como ouro, dólar ou euro— reduzindo assim a volatilidade de ativos digitais no mercado de criptomoedas.
No Brasil, o Banco Central vem acompanhando o tema e, em agosto de 2020, organizou um grupo de trabalho para a realização de estudos sobre a emissão de uma moeda digital pela instituição. O Real Digital deve ter um piloto no segundo semestre deste ano e já tem uma estrutura de como será montado. A versão brasileira da CBDC, será feita a partir de uma stablecoin e com base no STR (Sistema de Transferência de Reservas). Trata-se do meio no qual são feitas as transferências de recursos entre instituições financeiras.
Segundo a consultoria EloGroup, a maior parte dos países vê nas CBDCs uma maneira de acompanhar o dinamismo da evolução tecnológica e manter relevância nos cenários econômicos mundiais, aumentando a eficiência nas transações entre fronteiras.
Para as lideranças e governantes as CBDCs possuem o potencial de melhorar a eficiência do mercado de pagamentos de varejo, expandir a aplicação de novas tecnologias no país – como smart contracts (contratos inteligentes), IoT e dinheiro programável – além de promover a competição e a inclusão financeira para a população ainda inadequadamente atendida por serviços bancários.
Na China, as stablecoin já são realidade. O país passou de maior polo de mineração de bitcoin do mundo para a total proibição da atividade e de qualquer outra transação com criptoativos. Em paralelo a essa estratégia de banimento de ativos descentralizados, o governo chinês faz testes com o yuan digital, uma moeda centralizada disponibilizada à população em caráter de teste. A moeda digital já foi testada em várias cidades chinesas e foi usada em transações que totalizam mais de US$ 8 bilhões no segundo semestre de 2021.
No futuro, criptomoedas, NFTs e CBDCs devem coexistir de forma fluida e ainda mais integrada, uma podendo ser convertida em outra com poucos cliques. A previsão é que haja um grande ecossistema que reunirá instituições financeiras tradicionais, bancos centrais, varejo e usuários. Normalizando e proporcionando carteiras digitais capazes de armazenar diversos tokens.
Os desafios para a implementação e segurança das criptomoedas ainda são persistentes, mas já não há dúvidas: precisamos nos preparar para um futuro no qual o dinheiro, também, será digital.