O metaverso só será aquilo que os mais otimistas pintam depois de muito empenho —de grandes e pequenos, novos e velhos— e também, após muitos ensaios e tentativas.
Por isso, os colunistas destacam (e saúdam) as recentes iniciativas de dois brasileiros: o catarinense Júlio Cancellier, 65, e o paulista José Luiz Nogueira, 62.
Nogueira trabalhou com publicidade, marketing político e audiovisual e possui uma produtora em Brasília, a Fabrika. Quando se deu conta das mudanças nesse mercado resolveu apostar na educação. E criou o Cientik, um canal de streaming para apoiar a educação pública no desenvolvimento das habilidades e competências do futuro.
Os projetos, feitos sob medida, têm patrocinadores que ajudam a arcar com a produção de conteúdos e infraestrutura de transmissão. A regra é: alunos e professores não pagam pelo acesso. Recebem todos os conteúdos pedagógicos gratuitamente.
Há poucos dias, a professora Débora Garofolo, coordenadora do CIEBP (Centro de Inovação da Educação Básica Paulista), convidou o Cientik para participar da Expo Movimento Inova, no ginásio do Ibirapuera, em São Paulo.
Débora é uma entusiasta do uso da realidade virtual em salas de aula e explicou a razão do entusiasmo em um artigo:
“[A realidade virtual] permite a interação, possibilidades de aprendizagem diferenciadas e adaptação do ensino considerando as necessidades individuais dos estudantes. Com os recursos digitais, os alunos que possuem alguma dificuldade de acompanhar o aprendizado poderão sentir mais confiança. A ideia de um custo alto não pode ser considerado um desafio, já que é possível criar, por exemplo, óculos 3D com a turma e usufruir dos benefícios da realidade virtual no processo de aprendizagem.”
Nogueira aceitou o convite na hora e levou uma traquitana até o local. “Montamos do lado de fora do Ibirapuera um cenário com workshops de robótica e manufatura aditiva, com o uso do Mobtic, um caminhão com uma oficina maker completa, com cortadeira a laser, três impressoras 3D, drones, gravadora a laser de fibra ótica e displays de braços robóticos, acessórios e material de prototipagem. O Mobtic é uma parceria do Cientik e do Universo da Criatividade”, diz.
“Mas queríamos mais. Buscávamos algo que tirasse, literalmente, os alunos do chão. Veio então a ideia do desafio Cientik, que consistia em atravessar uma prancha colocada entre dois prédios, numa altura de mais de 150 metros. O medo é universal, e o medo de altura é um sentimento que mobiliza as pessoas”, acrescenta.
“Os alunos sabiam que era realidade virtual, ou seja, não era real. Mas ‘saber’ e ‘sentir’ são muito diferentes. Ao final da travessia, da qual muitos desistiram no meio do caminho, uma animação com um texto acolhia aqueles que completavam a aventura”, finaliza.
A reação de estudantes e professores foi a melhor possível. Emileny da Silva Pereira, 17 anos, aluna da escola pública Professora Maria José Margato Brocatto, que fica em Santa Bárbara d’ Oeste, região de Campinas, em São Paulo, encarou 40 minutos de fila, mas saiu satisfeita.
“Valeu muito a pena, você olha para baixo e parece que está no alto de um prédio, em cima de uma prancha, a impressão é que pode cair a qualquer momento. A perna chega a tremer. Na próxima vez eu queria ir ou para o fundo do mar ou para as estrelas”, afirma.
Colega de Emileny, Thiago Bozelli, também de 17 anos, gostou tanto que sonha com o dia que todas escolas possam usar os óculos de realidade virtual para, nas palavras dele, “aprenderem se divertindo”.
Para Pedro Henrique Lucas Silva, de 16 anos, estudante da Escola Estadual Myrthes Therezinha Assad Villela, que fica em Barueri, também em São Paulo, “a sensação é muito real e estranha, você sabe que não está lá, mas parece que o cérebro te fala que você tá naquele mundo”.
A professora Tábata Tibério Gomes Gonçalves, pedagoga do CIEBP – EE Dona Pilar Garcia Vidal, também saiu encantada com realidade virtual. “Eu achava que seria algo parecido com um videogame, mas é muito diferente: eu estava no alto do prédio. Fiquei tremendo”.
E acrescenta:
“Olha, eu achei o máximo essa experiência de vivenciar um pouco da realidade virtual. Foi mágico, fico só imaginando quanta coisa podemos ensinar com uma ferramenta dessas.”
Reações que levam José Luiz Nogueira a conclusão:
“Nestes momentos sombrios em que o legado iluminista está sob ataque, valorizar a pesquisa e a ciência é muito importante. A tecnologia pode sintonizar as escolas com o século 21 e tornar a aprendizagem mais dinâmica e efetiva. A pandemia acelerou a digitalização da educação, o ensino híbrido é um caminho sem volta. O novo sempre assusta, mas quem vence o medo, ganha novos horizontes. Toda descoberta vem da pesquisa. Esta é a riqueza do conhecimento humano. A curiosidade alimenta a ciência?”
“Metaverso de Garibaldi”
Júlio Cancellier estuda conteúdos imersivos há pelo menos uma década. Começou a trabalhar com vídeo esférico com uma câmera Kodak que fazia imagens 180 graus. Depois, conheceu a Theta 360º e a Nikon Kaymisssion 4K. Há cinco anos, quando o Pokémon foi lançado, fez uma campanha na Universidade Federal de Santa Catarina usando a realidade aumentada, a partir do aplicativo Zappar. E quando teve acesso ao Oculus Quest 2, da Meta (ex-Facebook), resolveu testar as possibilidades.
O primeiro resultado está no ar: uma galeria virtual onde é possível, a partir do aplicativo Spatial, em qualquer celular, computador ou no próprio Oculus, passear pelas obras do artista plástico catarinense Willy Zumblick, que mostram o herói italiano Giuseppe Garibaldi e sua mulher brasileira, Anita.
No mundo real, essas obras estão ou no Museu Willy Zumblick, localizado no Centro Municipal de Cultura, em Tubarão (SC), ou em coleções particulares ou outros museus.
Envergando um avatar, o visitante pode se deslocar livremente pelos corredores da galeria virtual e ver de qualquer ângulo e distância as obras de Zumblick, um autodidata que morreu aos 94 anos, em 2008. Ele é considerado um dos mais importantes artistas contemporâneos de Santa Catarina.
Cancellier diz que escolheu a realidade virtual porque acredita na possibilidade que ela oferece de ampliar o acesso das pessoas, sobretudo dos jovens, à arte e à cultura.
“Os museus limitam a experiência à contemplação, sem maiores possibilidades de interação. Com a realidade virtual e aumentada é possível contar histórias e propiciar experiências extraordinárias a distância. Com o metaverso, é possível entrar num mundo virtual e conhecer a história”, diz.
Os quadros e gravuras não têm legendas e quem conhece pouco da história de Garibaldi e Anita tem alguma dificuldade de identificar o que vê.
Júlio Cancellier diz que seria possível colocar essas legendas, mas que não é o objetivo central, já que a galeria virtual faz parte do projeto Storytelling Garibaldi — 180 capítulos publicados diariamente nas redes sociais, contando a história do casal que lutou no Brasil e na Itália, em meados do século 19. “É o fio condutor e argumento de todo projeto que avança para o metaverso e se transforma também em uma exposição de painéis com realidade aumentada”.
O projeto “Metaverso de Garibaldi” conta inicialmente com o apoio da Prefeitura Municipal de Tubarão, através do Departamento de Cultura, que administra o Museu Willy Zumblick, da Cooperativa de Eletrificação Rural Anita Garibaldi (Cergal) e parceria com a Fundação Unisul, que administra o Colégio Dehon.
Cancellier acha que o metaverso é um caminho sem volta. “Se hoje parece aventura, brevemente será uma realidade. Creio que a forma de consumir entretenimento e informação vai mudar profundamente depois que esta tecnologia se difundir. A produção de conteúdo específico para as plataformas é um grande futuro certamente.”