Com a atualização do acelerador de partículas mais avançado do mundo, cientistas acreditam que podem descobrir uma nova (quinta) força da natureza e evidências da chamada matéria escura.
Nas profundezas dos Alpes, os cientistas mal conseguem conter sua empolgação. Eles murmuram sobre descobertas que alterariam radicalmente nossa compreensão do Universo.
“Estou procurando a quinta força (da natureza) desde que sou físico de partículas”, diz Sam Harper.
“Talvez este seja o ano.”
Nos últimos 20 anos, Sam vem tentando encontrar evidências de uma quinta força da natureza — sendo a força da gravidade, eletromagnética e as duas forças nucleares as quatro que os físicos já conhecem.
Ele está depositando suas esperanças na grande reformulação do Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês). É o acelerador de partículas mais avançado do mundo — uma máquina enorme que esmaga átomos para fragmentá-los e descobrir o que está dentro deles.
Ele foi turbinado ainda mais em uma reforma de três anos. Seus instrumentos estão mais sensíveis, permitindo aos pesquisadores estudar a colisão de partículas do interior dos átomos com uma definição maior; seu software foi atualizado para poder receber dados numa taxa de 30 milhões de vezes por segundo; e seus feixes estão mais estreitos, o que aumenta bastante o número de colisões.
O que tudo isso significa é que agora há uma chance maior de o LHC encontrar partículas subatômicas que são completamente novas para a ciência. A expectativa é de que ele faça descobertas que vão desencadear a maior revolução na física em cem anos.
Além de acreditar que podem descobrir uma nova (quinta) força da natureza, os pesquisadores esperam encontrar evidências de uma substância invisível que compõe a maior parte do Universo, a chamada matéria escura.
Há uma pressão enorme sobre os pesquisadores para apresentar resultados. Muitos esperavam que o LHC já tivesse encontrado evidências de um novo reino da física.
Nova cadeia experimental
O LHC faz parte da Organização Europeia para Pesquisa Nuclear, conhecida como Cern, na fronteira franco-suíça, nos arredores de Genebra.
À medida que você se aproxima, parece um complexo comum — blocos de prédios de escritórios e dormitórios da década de 1950, em meio a gramados bem cuidados e vias sinuosas com nomes de físicos renomados.
Mas a 100 metros no subsolo, está uma catedral para a ciência. Consegui chegar ao coração do LHC, a um dos detectores gigantes que fez uma das maiores descobertas da nossa geração, o Bóson de Higgs, uma partícula subatômica sem a qual muitas das outras partículas que conhecemos não teriam massa.
O detector Atlas tem 46m de comprimento e 25m de altura. É um dos quatro instrumentos do LHC que analisam as partículas criadas por ele.
São 7 mil toneladas de metal, silício, eletrônica e fiação, reunidas de forma complexa e precisa. É uma coisa de grande beleza. “Majestade” é a palavra usada por Marcella Bona, da Queen Mary University de Londres, no Reino Unido, uma das cientistas que usam o detector Atlas para seus experimentos.
Fico olhando extasiado, enquanto Marcella me conta sobre as melhorias feitas no detector durante os três anos de desligamento do LHC.
“Será de duas a três vezes melhor, em termos de capacidade do nosso experimento de detectar, coletar e analisar dados”, diz ela.
“Toda a cadeia experimental foi atualizada.”
Em meio ao barulho dos engenheiros terminando a reforma do Atlas, acho difícil imaginar que algo tão grande seja necessário para detectar partículas que são muito menores que um átomo.
O LHC tem quatro desses detectores, cada um fazendo experimentos diferentes. É bem no centro destes detectores gigantescos que partículas conhecidas como prótons, encontradas no núcleo dos átomos, colidem após serem aceleradas perto da velocidade da luz em torno de um anel de 27 km de circunferência.
As colisões geram partículas ainda menores que saem voando em diferentes direções. Sua trajetória e energia são rastreadas pelos sistemas dos detectores, e é este rastro que informa aos cientistas que tipo de partícula é — mais ou menos como determinar a espécie e as características de um animal a partir de suas pegadas.
Quase todas as partículas menores decorrentes das colisões já são conhecidas pela ciência. O que os físicos procuram aqui é evidência de novas partículas que podem surgir das colisões, mas acredita-se que sejam criadas muito raramente.
São essas partículas ainda desconhecidas que os físicos acreditam ser a chave para desvendar uma visão completamente nova do Universo. A descoberta delas pode provocar a maior mudança no pensamento da física desde as teorias da relatividade de Einstein.
Os engenheiros passaram os últimos três anos atualizando o LHC para produzir mais colisões em um espaço de tempo mais curto. A máquina reformada tem uma chance muito maior de gerar e encontrar as novas partículas raramente criadas. Grande parte desse trabalho foi liderado por Rhodri Jones, que se alegra com seu título de “chefe dos feixes”.
Encontro Rhodri na área de montagem magnética do Cern, que se assemelha a um grande hangar de aviões. Aqui, os engenheiros estão renovando os ímãs cilíndricos de 15 metros de comprimento que dobram os feixes de partículas ao redor do acelerador. É um trabalho de precisão com absolutamente nenhuma margem de erro.
Rhodri me conta que sua equipe tornou os feixes mais estreitos, de modo que mais partículas sejam espremidas em uma área menor. Isso aumenta bastante as chances das partículas colidirem umas com as outras.
“Estamos analisando processos muito raros, então quanto maior o número de colisões, maior a chance de realmente encontrar o que está acontecendo e ver pequenas anomalias”, diz ele.
“A melhoria no feixe significa que, para toda a física que fizemos desde o início do tempo em que o LHC está em operação, vamos poder obter a mesma quantidade de colisões nos próximos três anos, que obtivemos nesses dez anos.”
Outra grande melhoria foi na captura e processamento dos dados das colisões. No LHC remodelado, os dados são coletados de cada um dos quatro detectores a uma taxa impressionante de 30 milhões de vezes por segundo.
É claro que isso é demais para a mente humana assimilar, mas qualquer uma das colisões pode conter a evidência crucial da existência de uma das novas partículas que os cientistas estão procurando.
O software do LHC foi atualizado para pesquisar automaticamente todos os dados coletados e, usando as técnicas mais recentes de inteligência artificial, identificar e salvar as leituras que podem ser de interesse potencial para os cientistas analisarem.
Dúvidas sobre a gravidade
A teoria atual da física subatômica é chamada de Modelo Padrão. Embora tenha um nome pouco criativo, a teoria tem sido brilhante em explicar como as partículas subatômicas se unem para criar átomos que compõem o mundo ao nosso redor.
O Modelo Padrão também explica como as partículas interagem por meio de forças da natureza, como as forças eletromagnética e nucleares que mantêm os componentes dos átomos juntos.
Mas o Modelo Padrão não consegue explicar como a gravidade opera, tampouco como as partes invisíveis do Universo, que os físicos chamam de matéria escura e energia escura, se comportam.
Os cientistas sabem que estas partículas e forças invisíveis existem a partir do movimento das galáxias no espaço — e juntas representam 95% do Universo. Mas ninguém ainda foi capaz de provar sua existência e determinar o que são.
O LHC foi construído para detectar estas partículas que podem explicar como grande parte do cosmos funciona. Marcella Bona me disse que agora há uma esperança real de que as atualizações tornem isso possível.
“É um momento realmente emocionante”, ela sorri.
“Trabalhamos nos últimos três anos atualizando o maquinário. Agora estamos prontos.”
Marcella fala apaixonadamente desde o momento em que a conheci. Mas seu entusiasmo aumenta quando pergunto se a descoberta de uma partícula de matéria escura seria uma das maiores descobertas da física.
“Eu diria que sim”, ela ri, arregalando os olhos. “Sim, sem dúvida, isso seria incrível”, diz ela, permitindo-se, momentaneamente, se deleitar com a perspectiva real de que isso aconteça nos próximos meses.
Não menos entusiasmado está Sam Harper, o cientista que passou as últimas duas décadas caçando a “quinta força” da natureza. Ele trabalha em outro dos quatro detectores do LHC, o chamado CMS, localizado na outra extremidade do complexo Cern.
Os resultados do LHC antes de ser desligado para reforma e de vários outros aceleradores de partículas ao redor do mundo revelaram pistas tentadoras dessa quinta força. Mas com a potência extra do LHC, Sam acredita que sua busca científica pode terminar em breve.
E, assim como Marcella, a emoção em sua voz aumenta quando ele diz em voz alta o que não pode ser dito formalmente nos círculos científicos até que haja evidências sólidas.
“Isso abalaria as estruturas do campo. Seria a maior descoberta do LHC, a maior descoberta em física de partículas desde, desde…”
Sam faz uma pausa, tentando encontrar as palavras.
“Será maior que o Higgs.”
O Cern vai celebrar o décimo aniversário da descoberta do Bóson de Higgs ainda neste ano. Mas as festividades chamam a atenção para o fato de que o LHC de 3,6 bilhões de libras (cerca de R$ 22 bilhões), com um custo anual de 1,1 bilhão de libras (cerca de R$ 6,85 bilhões), não fez nenhuma grande descoberta desde então.
Muitos tinham expectativa, e alguns esperavam, que o acelerador de partículas mais poderoso do mundo já tivesse descoberto até agora a energia escura, a quinta força ou alguma outra partícula que provocasse uma mudança de paradigma.
Muito vai depender dos resultados que os pesquisadores vão obter nos próximos anos, uma vez que o Cern apresentará em breve propostas para um colisor de hádrons ainda maior.
O plano mais ambicioso, o chamado Futuro Colisor Circular (FCC), teria um anel de 100 km de circunferência, que passaria por baixo do Lago Genebra.
O FCC pode custar cerca de 20 bilhões de libras (cerca de R$ 125 bilhões). A máquina atual tem pelo menos mais dez anos pela frente, e várias outras atualizações que vão oferecer ainda mais potência para tentar descobrir as partículas que vão mudar a física para sempre.
Mas os líderes científicos do Cern vão apresentar sua solicitação para a próxima fase dos experimentos de física de partículas em breve. E persuadir os governos dos países membros a se comprometerem com um grande aumento no financiamento será mais difícil se a atualização mais recente não conseguir encontrar sequer uma noção das novas partículas nos próximos dois ou três anos.
Sam Harper admite se sentir “um pouco apavorado”, à medida que o LHC embarca em sua próxima série de experimentos.
“Estamos tentando desesperadamente aprontar tudo e estamos trabalhando muito duro para garantir que não vamos perder nenhuma física nova possível. Porque a pior coisa do mundo seria a nova física estar lá, e não encontrarmos.”
Mas bem maior do que o pavor de Sam é a empolgação dele em relação ao que os próximos anos reservam.
“O que move todos os físicos de partículas é que queremos descobrir o desconhecido, e é por isso que coisas como a quinta força e a matéria escura são tão emocionantes, porque não temos ideia do que poderia ser ou se existem e queremos muito descobrir isso.”
O que pode ser a primeira rachadura no Modelo Padrão foi descoberta por pesquisadores do Fermilab, o equivalente americano do LHC, no início deste mês.
Nos próximos meses e anos, os pesquisadores do LHC vão tentar confirmar seu resultado e encontrar muito mais fissuras na teoria atual até que ela desmorone para dar lugar a uma teoria nova, unificada e mais completa de como o Universo funciona.